"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O CULPADO DE SEMPRE

Comida fria e ruim?
Culpa dos Estados Unidos


Quem estudou em universidade pública sabe do que estou falando. Além das greves dos professores – duas ou três por ano, a depender do humor da categoria –, é impossível assistir a uma aula completa – quando há a aula, claro – sem sermos interrompidos por alguma chapa de estudantes disputando alguma coisa. O mais hilário é que os estudantes, na mais absoluta falta do que fazer, já que estudar, afinal, parece ser algo fora de cogitação, levam a sério essas disputinhas internas a tal ponto que trocam insultos nos corredores e bandeiradas nos pátios. Che Guevara não aprovaria tamanha desunião interna e, tenho certeza, resolveria isso em um julgamento rápido e indolor.

Outro fato deveras curioso é que são sempre as mesmas caras que estão no meio do tumulto. Quando chega a época das eleições para algo são sempre as mesmas figurinhas batidas que voltam a pulular nas salas e corredores da universidade, muito embora essas figuras quase não sejam vistas em época de normalidade escolar.

Um dia, na fila do restaurante universitário, o destino me pôs bem entre duas dessas figuras mais agitadas e pude, infelizmente, ouvir trechos da conversa. “Escuta, Armando, esse ano não podemos cometer os mesmos erros das eleições de 93. Vamos brigar para vencer!”. “Sim, Jorge, mas lembre-se que nossa chapa só não levou as eleições de 91 por uma óbvia interferência burguesa!”. Estávamos em 2007, meus senhores, 2007, o que quase me fez perder o apetite. Os dois faziam parte do famoso grupo de “estudantes profissionais”, compostos por, entre outros, maconheiros e comunistas barrigudinhos e já calvos, e que, não obstante estarem na faculdade há 15 anos, estavam sempre preocupados com a qualidade do ensino superior. Eventualmente, lutavam também pelo fim dos Estados Unidos, pela destruição do estado de Israel, pelo fim do capitalismo moribundo, pelo controle da mídia golpista, pelo fim do latifúndio, e outras coisas mais. Tudo isso a partir de uma mera chapa de estudantes. Mas atenção, leitores! Esses sujeitos ficavam extremamente ofendidos caso você risse dessas coisas todas!

Um dia, questionei o programa de uma das chapas. “Olha, aqui diz que, para melhorar a qualidade da comida do restaurante universitário, é preciso, antes, lutar contra toda forma de opressão ao bolivarianismo indígena e romper de vez com as amarras do modelo econômico neoliberal vigente nas civilizações judaico-cristãs. O que uma coisa tem a ver com a outra?”, perguntei inocentemente. “Tudo”, foi a resposta que obtive. “Tudo está interligado, e nosso programa ataca a coisa como um todo, entende?”. “Tá bom”, e lá fui eu comer o frango duro e frio do restaurante universitário, frio e duro, claro, por culpa dos Estados Unidos.

Rodolfo Oliveira no Estado

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