"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

SEGURANÇA E FALATÓRIO

Apesar de todo o falatório do Governo Federal sobre o tema, o índice nacional de violência homicida é extremamente alto e resiste a cair: o número de homicídios por 100 mil habitantes – acima de 26 por ano – manteve-se praticamente igual nos último decênio. Comentei isso ontem neste site, com números do Mapa da Violência – 2012.

De fato, o Brasil é o país com o maior número de assassinatos em todo o mundo, tendo atingido a marca de 43 mil mortes dessa natureza em 2009, de acordo com o relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Nos últimos oito anos, foram mais de 400 mil homicídios.

Onde houve queda acentuada, como em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Pernambuco, ela se deveu aos esforços dos governos estaduais.
Nos estados onde seria mais necessário do que nunca o apoio federal, como é o caso da Bahia ou do Maranhão, onde os homicídios aumentaram vertiginosamente, nada foi feito.

Brasília contempla de camarote essa realidade mórbida. Programas com nomes pomposos e metas fantasiosas são lançados na mídia, para depois caírem no esquecimento ou serem estrangulados por inépcia administrativa e/ou sucessivos cortes de recursos.

Tome-se como exemplo a ação mais badalada do Governo Lula na área da segurança, o Pronasci. Quando lançado, em 2007, foi fixada meta de redução da taxa de homicídios do conjunto do país superior a 50% – de 26 para 12 mortes por 100 mil habitantes! Obviamente, nada disso aconteceu – pelo contrário, o índice nacional permaneceu o mesmo, com um detalhe: em algumas regiões, como Norte e Nordeste, a violência aumentou brutalmente, como mencionei no texto de ontem (O mapa do crime).

Na trilha do seu antecessor e do talento publicitário petista, o atual governo lançou o Plano Estratégico de Fronteiras (tratei deste tema nos textos As fronteiras abertas da América Latina, Armas de destruição em massa, A prática desmente o discurso) que previa ações de impacto, como o aumento do efetivo da Polícia Federal nas fronteiras e a concessão de gratificações especiais aos policiais designados para essas áreas; criação de três dezenas de novos postos de policiamento de fronteira; entrada em operação de 14 veículos aéreos não tripulados para melhorar a vigilância da região (lembram-se daquele disco voador anunciado na campanha eleitoral do ano passado?), entre outras medidas.

Como é rotina na esfera federal, seis meses depois do seu lançamento praticamente nada do que se previa nesse Plano Estratégico foi feito.
O efetivo não aumentou, as gratificações não saíram do papel, nenhum novo posto de vigilância foi entregue, e dos 14 veículos não tripulados previstos para fotografar as fronteiras, apenas um levantou vôo, em fase de testes.
Provavelmente, o mesmo aparelho que já foi dado como voando e operando em meados do ano passado, em um dos debates dos candidatos a presidente. Quando também foi dito que as fronteiras brasileiras eram as mais seguras e defendidas do mundo.

Não foi por menos, aliás, que os policiais federais que atuam nas fronteiras, indignados com o escárnio, fizeram recentemente um protesto nacional. Suas queixas já são antigas: falta de equipamentos básicos, como coletes à prova de balas; armamentos defasados; meios de comunicação e transporte precários; efetivo altamente insuficiente, deixando os policiais em desvantagem nos enfrentamentos com bandidos fortemente armados.

No caso dos presídios, a situação é calamitosa. Nos oito anos do governo Lula, pouco mais de 800 vagas foram criadas em presídios federais em todo o Brasil.
Só para comparar, no mesmo período, o Governo de São Paulo criou 26 mil novas vagas. O resultado é a transferência de encargos aos governos estaduais, e, naturalmente, mais superlotação de presídios.

A Força Nacional continua sendo um apanhado de policiais recrutados junto às PMs estaduais e em determinadas ocasiões. É, de fato, uma polícia heterogênea, pequena e tardia, pois sua mobilização demora semanas. Volto a insistir: o Brasil precisa de uma Guarda Nacional, ou uma Polícia Federal fardada, de caráter permanente, com sólida qualificação e capacidade de pronta atuação, na rotina e em situações críticas.

O Pronasci, além de nascer defeituoso e inepto, passou ao largo de questões difíceis de resolver sem o apoio federal. Não há programas efetivos de apoio ao treinamento e seleção para polícias de todo o país, com exceção de sugestões para os currículos das academias.


Por exemplo, a formação dos soldados da PM durante um ano, com padrão de qualidade, tal como é feita em São Paulo, deveria ser estendida a todo o país. Já os investimentos federais para aumentar a capacidade de perícia e investigação das polícias estaduais, hoje razoavelmente elevada em São Paulo com recursos próprios, são insignificantes. E v
ejam bem: tudo o que se refere à formação de recursos humanos e tecnologia acaba sendo muito barato se confrontarmos seus custos com os resultados obtidos. Como diriam os economistas, uma elevadíssima relação produto-capital.

Por fim, um exemplo que surpreenderá o leitor: inexiste hoje um banco de dados nacional integrado, com informações sobre os principais delitos cometidos e cadastro dos criminosos. Nem números fidedignos sobre a população carcerária do país existem! Como na Saúde, na Segurança são necessários bons diagnósticos para saber-se como agir. Sem essas informações básicas, a realidade do crime no país fica envolta numa espessa nuvem de poeira. Como prever bons resultados se não consegue enxergar nem mesmo aquilo que se pretende enfrentar?

16/12/2011 Por jose serra

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