Como e por que os brasileiros não dão a devida importância a um processo como o movido contra o “Cartel do Oxigênio” que ficou entre os três finalistas na categoria "Melhor Caso de Aplicação da Lei" de todo o mundo, em 2010?
Em maio de 2003, entrou em vigor o Acordo Brasil-EUA para combater cartéis. Seu objetivo é facilitar a troca de informações entre os dois países, visando, com isso, a combater cartéis cujos integrantes estejam praticando o mesmo crime em ambos os países.
O referido Acordo passou a ser considerada a maior esperança para inibir a atuação de cartéis formados por multinacionais que exploram o consumidor brasileiro. Isso, porque, além de seu real valor, o Acordo contém um inestimável valor psicológico: as empresas, de um modo geral, têm verdadeiro temor de serem investigadas por formação de cartel pelas autoridades norte-americanas.
Considerando o fato acima, esperava-se que – para evitar que a controladora fosse investigada por formação de cartel nos Estados Unidos – as multinacionais ordenassem às suas controladas brasileiras que se abstivessem de tal prática aqui.
Porém, tal esperança não se concretizou. Afinal, estamos no Brasil, país que não aproveita as oportunidades para se livrar daqueles que o exploram.
Relativamente à troca de informações, o Acordo é categórico: as partes se comprometem a notificar, uma à outra, sobre investigações que estejam realizando contra cartéis cujos integrantes atuem nos dois países – exceto “se o fornecimento de tal informação for proibido segundo as leis da Parte detentora da informação, ou se for incompatível com os importantes interesses daquela Parte”.
Assim sendo, ninguém – dotado de boa fé e de mínima capacidade de discernimento – pode negar que uma das duas coisas impediu a notificação das investigações aqui realizadas sobre o “Cartel do Oxigênio” às autoridades norte-americanas: a imprecisão dos termos do Acordo, ou um grosseiro erro cometido por nossas autoridades ao interpretarem tais termos, relativos ao dever de notificar.
Para que se constate a afirmativa acima, serão comparadas duas coisas: 1 – os termos do Acordo; 2 – as interpretações da Procuradoria Geral da República (PGR) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) referentes ao processo (tramitado na PGR) no qual o Brasil foi acusado de estar descumprindo o Acordo, por não notificar o caso do “Cartel do Oxigênio” aos EUA.
O dever de notificar
Em seu Artigo II, o Acordo estipula que as atividades a serem notificadas “são aquelas que: (a) forem relevantes para as atividades da outra Parte na aplicação de suas leis; (b) envolvam Práticas Anticompetitivas, que não fusões ou aquisições, realizadas no todo ou em parte substancial no território da outra Parte; (c) .....(f)”.
Diante de tais termos, depreende-se que, de um modo geral, qualquer investigação de fatos que “forem relevantes” para a outra Parte deve ser notificada (hipótese (a)). Além disso, mesmo que os fatos investigados não sejam relevantes, eles deverão ser notificados, caso haja indícios de que as práticas estão sendo “realizadas no todo ou em parte substancial no território da outra Parte” (hipótese (b)).
A relevância das investigações
Conforme será visto, as investigações aqui realizadas no caso do “Cartel do Oxigênio” não foram notificadas porque nossas autoridades – com o aval da PGR e da OAB – determinaram que as mesmas “não eram relevantes” para os EUA. Para demonstrar o quão errada foi tal determinação, basta considerar, inicialmente, os cinco fatos abaixo enumerados:
1 – as quatro multinacionais produtoras de gases industriais e medicinais no País, duas delas de capital norte-americano, participam de citado cartel.
2 – as referidas multinacionais e suas controladoras dominam, além do mercado brasileiro, os mercados dos EUA e mundial.
3 – pelo mesmo crime, formação de cartel, tais multinacionais e suas controladoras já foram processadas e condenadas na União Européia, na Argentina e no Chile.
4 – por sua participação no “Cartel do Oxigênio”, a líder do mercado brasileiro – cuja totalidade de quotas pertence à norte-americana Praxair Inc. – recebeu, em setembro de 2010, a incrível multa de R$ 2,2 bilhões.
5 – conforme consta no processo que tramitou na PGR, há uma inegável evidência da harmonia de procedimentos da Praxair Inc. e sua controlada no Brasil: o Vice-Presidente Executivo da Praxair Inc nos EUA, Ricardo Malfitano, iniciou sua carreira na controlada brasileira, trabalhou algum tempo na Praxair nos EUA, retornou ao Brasil como Diretor da controlada brasileira, voltou para os EUA como Presidente da Praxair – New York, retornou ao Brasil como Presidente da controlada brasileira, deixando tal cargo para ocupar a posição de Vice-Presidente Executivo da Praxair nos EUA.
Mas isso ainda não é tudo. Outros fatos, bem mais relevantes que os acima enumerados, serão apresentados na parte (II) do presente artigo. Ao final, dúvidas não irão pairar a respeito da relevância, para os Estados Unidos, das investigações aqui realizadas sobre o “Cartel do Oxigênio”.
O caso do “Cartel do Oxigênio”
Em fevereiro de 2004, foi realizada uma operação de busca e apreensão (codinome “Operação Amazônia”) nas dependências das quatro multinacionais acusadas de integrarem o “Cartel do Oxigênio”.
A farta documentação coletada, um autêntico Estatuto do Cartel, originou um processo na Secretaria de Direito Econômico (SDE).
No final de 2004, a PGR instaurou o Processo n° 1.16.000.002028/2004-06 para apurar denúncia segundo a qual – por não notificar as autoridades norte-americanas a respeito das investigações aqui realizadas sobre o “Cartel do Oxigênio” – o Brasil estava descumprindo o Acordo em questão.
Passados quatro anos, em 8 de setembro de 2008, o Relator de citado processo, Procurador Pedro Nicolau Moura Sacco, decidiu arquivá-lo, afirmando que, segundo o Acordo, a notificação era incabível.
Diante de referida decisão, em outubro de 2008, foi interposto Recurso à PGR. Tal Recurso foi indeferido em abril de 2010, homologando-se o arquivamento, conforme proposto no Voto do Subprocurador-Geral da República Paulo de Tarso Braz Lucas.
Em abril de 2011, o entendimento da PGR foi submetido à apreciação da OAB.
No final de 2011, acompanhando o voto do Relator Welber Oliveira Barral, a OAB concordou com a posição da PGR.
Considerando que – apesar das posições da OAB e da PGR – o assunto ainda merece ser discutido, ficam no ar as seguintes questões:
1 – É possível imaginar que algum acordo sério para combater cartéis, nos moldes do Acordo do que está sendo analisado, possa deixar de lado o caso do “Cartel do Oxigênio”?
2 – Se, de fato, os termos do Acordo não contemplam casos como o do “Cartel do Oxigênio”, por que nossas autoridades não sugeriram modificação no Acordo, de forma que o mesmo passe a levar em consideração tais casos?
3 – Será que este Acordo, merece, de fato, o rótulo que já lhe foi colocado de “Acordo de Patetas”?
Nota: a interpretação da PGR e a visão da OAB, contrárias à notificação do caso do “Cartel do Oxigênio” aos EUA, serão comentadas na parte (II) do artigo, a ser publicada amanhã.
23 de janeiro de 2012
Por Jorge Serrão e João Vinhosa
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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