Uma intervenção do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista ao site da revista britânica The Economist, adiciona uma dose mais forte de tempero ao processo político brasileiro, que neste ano leva os eleitores às urnas para a escolha dos futuros prefeitos municipais.
Interessante observar que a manifestação do ex-presidente e dirigente honorário do PSDB é publicada exatamente no dia em que se anuncia o índice recorde de popularidade da atual presidente da República, Dilma Rousseff.
Não trata diretamente das eleições municipais, que movimentam as forças partidárias e estimulam ações mais ou menos precipitadas de governantes, mas da sucessão da presidente, marcada para 2014.
Fernando Henrique Cardoso toma partido, pela primeira vez em público, em favor do senador mineiro Aécio Neves e pela primeira vez diz o que pensa do ex-governador paulista José Serra, que se considera candidato natural, por direito divino, à presidência da República.
Análise da derrota
Mas não trata apenas disso. Na longa entrevista, fala da herança colonial portuguesa, da formação do Brasil contemporâneo após a redemocratização e oferece sua visão do confronto entre as duas principais forças partidárias, representadas pelo PT e o PSDB.
A entrevista completa, em inglês, pode ser lida e assistida no site da Economist.
Afirma, ainda, que a oposição está presa a uma armadilha. Ele entende que, como a sensação geral de bem-estar beneficia o governo do PT, a saída da oposição será baseada em ideias não-econômicas, como justiça, segurança pessoal, republicanismo versus corrupção, respeito à lei, qualidade de vida.
Em seguida, conta que havia sonhado com o ex-presidente Lula, e que ambos haviam feito uma proposta conjunta de consenso nacional, em torno de questões como energia, educação, criação de infraestrutura, convergências de interesses entre iniciativa privada e governo e como obter um acordo na área ambiental.
No original, a entrevista é muito mais interessante do que a versão escolhida pelos jornais brasileiros. Fernando Henrique Cardoso só entrou na questão eleitoral quando provocado pelo entrevistador, após afirmar que, embora em termos eleitorais PT e PSDB sejam antagônicos, na prática há muitos pontos de convergência.
Ao entrar na análise da derrota de seu partido na última disputa presidencial, ele acusou José Serra de ter sido arrogante e por isso acabou isolado até mesmo dentro do PSDB.
O ponto de ruptura
A divergência profunda entre Fernando Henrique Cardoso e José Serra transparece mais claramente a partir desse ponto, embora o ex-presidente, conhecido por sua habilidade com as palavras, tenha usado expressões muito cuidadosas.
Ele afirma que o PSDB perdeu uma eleição considerada ganha em 2010 – tinha ampla vantagem nas pesquisas, no início da campanha, e acabou perdendo para uma candidata que nunca havia enfrentado as urnas. E responsabiliza diretamente José Serra, acusando-o de repelir alianças e centralizar as decisões.
Perguntado se, em outra circunstância, seu partido poderia ter vencido, ele responde que sim, mas não com Serra. Este foi o ponto que interessou aos jornais brasileiros, a julgar pelo fato de que os principais destaques escolhidos para repercussão tratam do futuro do PSDB na visão de Fernando Henrique Cardoso.
Na sua opinião, o partido tem que se unir para tentar reconquistar o poder federal em 2014. Ele diz claramente preferir que Serra não insista em nova candidatura, descarta o governador paulista Geraldo Alckmin e afirma explicitamente que o candidato óbvio de seu partido é Aécio Neves.
A partir daí, revela que Serra nunca foi sua primeira escolha. Ele preferia ter tido como candidato a sucessor o ex-governador Mario Covas, que veio a falecer em 2001, um ano antes da eleição de 2002.
O trecho escolhido pelos jornais brasileiros é a parte final da entrevista e não necessariamente o mais interessante. Além disso, traz implicações importantes que a imprensa nacional omite de seus leitores.
Uma delas é que a manifestação do ex-presidente marca o ponto de ruptura com José Serra, explicitando uma tensão entre ambos que nunca havia se tornado pública de modo tão contundente.
Serra foi, durante muitos anos, confidente da falecida ex-primeira-dama Ruth Cardoso, e detentor de informações domésticas que não são confortáveis para Fernando Henrique Cardoso. Além disso, enquanto teve grande influência no PSDB, ele desprezou a herança do ex-presidente, rejeitando até mesmo o fato de ter feito parte do governo a partir de 1995.
Fernando Henrique oficializa o apoio do núcleo histórico do PSDB à provável candidatura de Aécio Neves em 2014. Isolado, José Serra terá que apostar no PSD, partido criado pelo prefeito Gilberto Kassab, e entrar na disputa presidencial como uma terceira via.
Resta observar como a imprensa brasileira passa a tratar esses personagens a partir desses sinais.
Luciano Martins Costa
24/01/2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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