EDITORIAL
FOLHA DE SÃO PAULO
Em pouco mais de dois anos, num caso complexo e cheio de ambiguidades, o médico de Michael Jackson foi julgado e condenado como responsável pela morte do cantor norte-americano.
No Brasil, passaram-se 13 anos até o ex-deputado alagoano Talvane Albuquerque Neto receber a sentença que lhe cabia, como mandante de um assassinato sem disfarces nem rebuços.
Assassinato?
Melhor dizer chacina.
Além da deputada Ceci Cunha, cujo posto o suplente Albuquerque ambicionava ocupar, foram mortos seu marido, seu cunhado e a mãe deste, poucas horas depois de Cunha ser diplomada.
Numa involuntária ironia, como a compensar pelo largo tempo transcorrido entre crime e julgamento, estipulou-se em 103 anos de prisão a pena que Albuquerque deveria cumprir.
Mas que, como se sabe, nem de longe, e não apenas por limitações na duração da vida humana, ele irá cumprir.
Na prática, o prazo de recolhimento efetivo pode reduzir-se consideravelmente - e o tempo da pena resultar equivalente ao que se consumiu durante o processo, não raro mais de uma década.
É um despropósito essa verdadeira inversão do que se espera da Justiça.
Explicações, certamente, existem.
Por exemplo, uma desejável latitude dos recursos à disposição do réu consagrou-se no Código Penal, como forma de garantir um amplo direito de defesa.
O estado de desumanidade chocante que vige nas prisões brasileiras faz com que, no espírito de muitos legisladores e juízes, a pena de privação da liberdade apareça como algo a evitar-se ao máximo.
A tese pode até ser vista como prudente, vez que um erro pode ter consequências gravíssimas, mas deveria aplicar-se quando muito aos casos de menor periculosidade.
Não faz sentido, decerto, no caso de Talvane Albuquerque.
A defesa do réu conseguiu que o processo se enredasse numa infinidade de recursos protelatórios, transitando por diversas instâncias e tribunais.
Tornou-se necessária uma intervenção externa, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), para que o desnorteante roteiro da impunidade fosse interrompido.
Com razão, fortalece-se na opinião pública o sentimento de que a Justiça raramente alcança os mais ricos e importantes; cresce proporcionalmente o desejo, iníquo e bárbaro, do julgamento sumário, da abolição dos direitos de defesa.
A impunidade de um assassino não deixa de trazer, nesse sentido, uma dupla vitória para o assassinato.
Quando se escarnece da lei, o clamor pela Justiça rapidamente se degrada em elogio da violência e desejo de vingança.
21 de janeiro de 2012
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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