"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 21 de janeiro de 2012

BALANÇO DO PRIMEIRO ANO DO GOVERNO DILMA ( PARTE 1 )

O governo Dilma começou com uma saia justa, tendo que tomar medidas contrárias aos rumos até pouco tempo defendidos pela até então candidata. Com um repique inflacionário, taxa Selic em alta, câmbio supervalorizado, queda de competitividade da indústria, endividamento crescente, déficit recorde em transações correntes, R$ 137 bilhões de restos a pagar do governo Lula, além de mais um recorde de déficit previdenciário.

Tudo isso, tendo que iniciar as obras da copa e das olimpíadas já em ritmo de desespero, já que o governo Lula não deixou nem mesmo uma pedra fundamental encaminhada. A situação só não era pior por causa dos altos preços das commodities que continuaram altos no mercado internacional, turbinando assim nossas exportações. Mas governo e mercado sabiam que o ritmo frenético de 2011 não era sustentável e que o crescimento deveria recrudescer ao logo do ano. Primeiro, por causa do repique inflacionário iniciado no final do governo Lula, decorrente de um esforço extra para aquecer a economia e criar o clima de euforia que ajudaria na eleição da candidata. Segundo, pela falta de estrutura para aguentar um crescimento na casa dos 7%. Terceiro, pelo aumento do nível de endividamento da população decorrente da ampliação do crédito nos últimos anos. E quarto, pelos sinais de agravamento da crise européia, entre outros fatores menos relevantes.

E foi o que aconteceu. De um crescimento de 7.5% em 2010, terminamos 2011 com um crescimento de 3%, contrariando a projeção inicial do governo de crescimento entre 4,5 e 5%. Não é nenhuma tragédia, como na Europa, mas ainda assim um crescimento muito abaixo da média dos países emergentes, inclusive dos latino-americanos, onde só conseguimos crescer mais que a caótica Venezuela, afundada em uma grave crise fruto das aventuras populistas do caudilho Chavez.

Diante de um quadro tão desafiador, o governo Dilma não teve outra alternativa a não ser admitir uma das principais críticas da imprensa e da oposição: o governo Lula gastou além do que deveria, aumentando assim a dívida pública, a pressão inflacionária e, consequentemente, a taxa Selic. A solução amarga do aperto fiscal que o governo Lula protelou teve que vir já no primeiro ano de governo Dilma, com o anúncio de corte de R$ 50 bilhões no orçamento inicialmente previsto.

Mas o cenário econômico não foi o principal assunto do primeiro ano do governo Dilma. A constante queda de ministros foi, de longe, o fato mais marcante. Nunca na história deste país um governo mudou tanto de ministros em tão pouco tempo. E mais uma saia justa do governo Dilma, pois a quase totalidade dos ministros substituídos integravam a chamada “cota pessoal de Lula”, pois, como já apontamos em posts anteriores, pela primeira vez na nossa história tivemos um ministério todo formado por cotas. Cota de “indicados” pela heterogênea base de apoio do governo, do ex-presidente e até a própria presidente que teve seu poder subtraído ao ponto de escolher alguns poucos ministros para a inflada máquina administrativa do PT que chegou a incrível marca de 45 ministérios, sendo que alguns, como o da Integração Social, por exemplo, chegou a inacreditáveis 70% de cargos comissionados!

Mas os maus exemplos não terminaram com o ano que se foi. Mal 2012 começa e já nos deparamos com uma nova crise, agora no ministério da Integração Nacional, que traz à tona mais uma mazela da política brasileira institucionalizada no governo Lula: o uso político dos ministérios para beneficiar as “bases eleitorais” dos titulares dos cargos. As desculpas são as mesmas, assim como as tragédias que se repetem a cada ano. Aliás, esperava-se que o governo da Dilma, marcado pela maior tragédia natural da nossa história (as enchentes do Rio de Janeiro), tomasse alguma iniciativa de mudar alguma coisa na prevenção de enchentes. Passados doze meses, Pernambuco aparece como o maior beneficiário das já pífias verbas do ministério da Integração Nacional. Devo esclarecer que Pernambuco é o meu estado, mas não posso concordar que um estado que tem a população equivalente a da capital do Rio de Janeiro receba 90% das verbas destinadas à prevenção de enchentes. E mesmo assim tais verbas são apenas uma fração do que foi prometido, afinal, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, dos R$ 508,5 milhões previstos em 2011 para o Programa “Prevenção e Preparação para Desastres”, apenas R$ 28,9 bilhões foram gastos.

E aí, mas uma vez, os fatos ficam para o segundo plano. As eleições de 2014 tornam-se o centro das discussões nas intermináveis discussões políticas na Internet, afinal o ministro acusado é do mesmo partido do bom governador de Pernambuco. E como o governador Eduardo Campos está cotado para substituir Dilma em 2014 ou em 2018, então mais uma vez a “imprensa golpista”, comandada pela Globo, já está preocupada em desconstruir a imagem do governador, possível candidato a presidente daqui há sete anos. Portanto, para os discípulos lulistas, qualquer crítica sobre este assunto é politicagem e ponto final!

Popularidade

Apesar do cenário desfavorável, o governo Dilma demonstrou habilidade em driblar as adversidades, tanto que sua popularidade surpreendentemente supera tanto a de Lula quanto a de Fernando Henrique no primeiro ano de governo.

Mas como explicar tal popularidade em meio a uma sensível queda no ritmo de crescimento, com uma incomoda inflação, tendo que cortar gastos, em meio ao agravamento da crise mundial e tendo que enfrentar uma crise após outra com seus ministros?

A primeira explicação foi a imagem de “faxineira” que a presidente adquiriu, fama esta alimentada pela própria imprensa. A cada novo ministro demitido, os analistas políticos aplaudiam a presidente, ressaltando a diferença de postura em relação ao ex-presidente Lula, que havia se notabilizado nos últimos anos por sua complacência com corruptos ilustres, entre os quais um dos mais notáveis, o famigerado Sarney, para quem Lula veio a público pedir um tratamento “diferenciado” diante da enxurrada de denúncias contra ele e a sua família, não custa lembrar.

Incomodados com a crescente popularidade da presidente entre os desafetos políticos, o PT logo identificou a nova “conspiração da direita” em promover a discórdia entre a presidente e o ex-presidente. E eis que o até então surpreendentemente silencioso Lula dos três primeiros meses do governo Dilma ressurgiu das cinzas no aniversário do PT, discursando com seu entusiasmo de costume, com o claro objetivo de se reaproximar da presidente, afirmando enfaticamente que “fazia parte do governo e que o sucesso da Dilma era o seu sucesso”. Visivelmente desconfortável na ocasião, a presidente se limitou a acenar, mas nem mesmo discursou.

Entre as providências tomadas pelo PT, o termo “faxina” teve que ser abolido das entrevistas, afinal pegava muito mal para a imagem do mito Lula a fama de faxineira da nova presidente, até porque a quase totalidade dos ministros que caíram foram indicados pelo próprio Lula, sendo que algumas dos esquemas que vieram à tona remontavam ao governo anterior.

Nas redes sociais, os críticos de Lula, inclusive eu, ironizávamos a inusitada situação, afinal não precisou nem mesmo a oposição chegar ao poder para que os podres do governo Lula viessem à tona. Também de olho nas “conspirações da direita” nas redes sociais, o PT recorreu a um artifício usado por Sarney na Crise do Senado, em 2008, quando este contratou um exército de jornalistas e estudantes de jornalismo para defendê-lo.

Mas nada disso teria acontecido se a “imprensa golpista” não tivesse publicado as denúncias que colocaram a presidente na saia justa de ter que demitir os ministros de Lula. Logo, os petistas articularam-se para atacar a fonte dos problemas (ou seja, a imprensa), retomando as discussões para a aprovação de sua polêmica proposta de lei de imprensa, assim como a chamada Comissão da Verdade, a fim de polarizar a cada dia mais tênue dicotomia entre direita e esquerda. Ou seja, o PT repete a fórmula adotada no escândalo do mensalão, pois a polarização além de mudar o foco das discussões, une as esquerdas e isola a oposição, já que ninguém quer ser enquadrado com o rótulo de “direita”. De quebra, o PT estanca a aproximação que começava a ocorrer entre a presidente e FHC, desde o aniversário de 80 anos do ex-presidente, quando Dilma reconheceu publicamente aquilo que Lula passou oito anos negando. Nas palavras da presidente, “o acadêmico inovador, político habilidoso, ministro-arquiteto de um plano duradouro de saída da hiperinflação e o presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica”.

Ma a aproximação durou pouco. Com as “providências” do PT e com a nova onda de acirramento político, Dilma escolheu seu lado. Aos poucos, a presidente foi se rendendo às investidas do PT e foi também aderindo às recomendações do partido. Rechaçou publicamente o termo “faxina” do seu vocabulário e passou a ser mais complacente com seus ministros, mesmo com o festival de absurdos do caso do atrapalhado ministro Lupi, que chegou a questionar a autoridade da presidente para demiti-lo, com a lamentável bravata de que só sairia do ministério abatido à bala. De um lado, Lula cobrava dos denunciados uma postura mais “casca grossa” para não se deixar derrubar pela “imprensa golpista”. Do outro, a presidente cada dia mais incomodada por ter que demitir um ministro após outro, o que, para os petistas, significava “fazer o jogo da imprensa golpista”. E assim Dilma chegou ao último escândalo do ano comportando-se exatamente como Lula queria. Indiferente às denúncias contra o ministro Pimentel, defendendo-o, inclusive, com o incrível argumento de que as denúncias remontavam a um período em que o ministro ainda não era ainda ministro. Ou seja, não basta mais provar que os políticos são corruptos. Agora a corrupção tem prazo de validade e, na nova ótica da presidente, prescrevem com a mudança de governo.

Apesar de tudo, o balanço final da presidente no trato com o problema da corrupção é positivo, afinal sua base de comparação é com o presidente Lula, o político que inocentou as velhas raposas do Congresso (raposas aliadas, claro), institucionalizou o “toma-lá-dá-cá” na troca de cargos por apoio, valorizando assim a “atuação” dos partidos de aluguel, os quais tiveram crescimento exponencial nos últimos anos graças ao “mercado dos votos” institucionalizado pelo PT.

Portanto, além da óbvia associação ao popularíssimo Lula, o segundo mais importante fator que explica a popularidade da presidente é a percepção da população de que esta é menos tolerante com a corrupção que seu antecessor, apesar dos deslizes diante das últimas denúncias. Vamos acompanhar daqui por diante.

O terceiro fator que contribui para a popularidade da presidente são as notícias constantes de crise nos países ricos, o que valoriza ainda mais nossa ascensão no cenário global como um dos emergentes.

O quarto fator é bem curioso, pois parte da popularidade da Dilma apontada nas mais recentes pesquisas vêm de eleitores que votaram em Serra ou em Marina. Lamento decepcionar alguns dos meus leitores, mas devo esclarecer que me enquadro neste time e explico o porquê: o sucesso de Dilma é a única maneira de evitar que Lula volte em 2014. Um eventual fracasso da Dilma levaria a um clamor pela volta de Lula, revigorando o viés populista do governo do PT, que felizmente arrefeceu um pouco com o estilo mais sóbrio da presidente Dilma. Portanto, entre os males, o menor. Viva a Dilma!

Além do mais, o fato do Brasil não ter piorado em 2012 já é motivo suficiente para comemorarmos, pois, como vimos na série “Desafios do Pós-Lula”, a Dilma pegou um verdadeiro abacaxi e até aqui tem descascado razoavelmente bem.

No próximo post faremos uma análise rápida do que o atual governo conseguiu diante de cada um dos desafios apontados na série. Até lá!
Amilton Aquino

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