"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

STALINISTA NÃO TEM CURA...

Leitor acha que exagerei ao escrever que Luciana Genro justifica cem milhões de cadáveres. Ora, é o que diz a moça quando escreve em seu blog, ao voltar de seu turismo privilegiado em Cuba: “finalizo reiterando as minhas convicções socialistas, reivindicando a revolução russa, chinesa, cubana”. Cem milhões de mortos é o saldo aproximado das vítimas do comunismo no século passado, assim distribuídas, conforme Le Livre Noir du Communisme (Stéphane Courtois et allia):

URSS — 20 milhões de mortos; China — 65 milhões; Vietnã — 1 milhão; Coréia do Norte — 2 milhões; Cambodja — 2 milhões; Europa do Leste — 1 milhão; América Latina — 150 mil; África — 1,7 milhão, Afeganistão — 1,5 milhão; movimento comunista internacional e PCs fora do poder — uma dezena de milhar de mortos.

Atenção: não estamos falando de soldados mortos em guerra. Mas de civis assassinados pelos regimes comunistas. Vamos a mais alguns feitos do comunismo, relacionados no livro supra:

- fuzilamento de dezenas de milhares de reféns ou de pessoas aprisionadas sem julgamento e massacre de centenas de milhares de operários e camponeses rebelados entre 1918 e 1922;
- epidemia de fome de 1922, provocando a morte de cinco milhões de pessoas;
- extermínio e deportação dos cossacos do Don em 1920;
- assassinato de dezenas de milhares de pessoas nos campos de concentração entre 1918 e 1930;
- extermínio de aproximadamente 690 mil pessoas por ocasião da Grande Purga de 1937-1938;
- deportação de dois milhões de kulaks em 1930-1932;
- destruição pela fome provocada e não socorrida de seis milhões de ucranianos em 1932-1933;
- deportação de centenas de milhares de poloneses, ucranianos, bálticos, moldavos e bessárabes em 1939-1941, e depois em 1944-1945;
- deportação de alemães do Volga em 1941;
- deportação e abandono os tártaros da Criméia em 1944;
- deportação e abandono dos chechenos em 1944;
- deportação e abandono dos inguches em 1944;
- deportação e liquidação das populações urbanas do Camboja entre 1975 e 1978;
- lenta destruição dos tibetanos pelos chineses após 1950.

Estou cansado dessa gente que pretende ter as mãos limpas de sangue, mas endossa serenamente a morte de milhões. Tudo em nome da Idéia, como se dizia no auge do comunismo. Não se admite que, em pleno século XXI, Luciana Genro não esteja a par destas informações. Mesmo assim, admite, com a tranqüilidade dos justos, o massacre desta humanidade toda. Albert Camus não o admitia, e por isto foi considerado, em sua época, mais ou menos como um leproso. Disse Sartre, visando Camus: “tout anticomuniste est un chien”. Todo anticomunista é um cão. Sartre não tinha as mãos sujas de sangue, mas sempre apoiou os tiranos que assassinavam em massa. Tenho de voltar à minha tese, Mensageiros das Fúrias, defendida em 1981, na Université de la Sorbonne Nouvelle:

Em 1946, Camus publica em Combat uma série de artigos, sob o título genérico de "Ni victimes ni bourreaux", reflexões que antecipam O Homem Revoltado. Se o século XVII foi o século das matemáticas, argumenta Camus, se o XVIII foi o século das ciências físicas, se o XIX foi o da biologia, o homem contemporâneo vive o século do medo.

"Dir-me-ão que isto não é uma ciência. Mas, primeiramente, a ciência aí está para qualquer coisa, pois seus últimos progressos teóricos a levaram a negar-se a si mesma, dado que seus aperfeiçoamentos práticos ameaçam a terra inteira de destruição. Além disso, se o medo em si mesmo não pode ser considerado como uma ciência, não resta dúvida alguma que seja uma técnica".

O que choca Camus é o fato de que homens que viram "mentir, aviltar, matar, deportar, torturar" se façam de surdos cada vez que se tenta dissuadir os homens que mentiam, aviltavam, matavam, deportavam e torturavam, pois estes lutavam em nome de uma abstração. O diálogo entre os homens morreu. "Um homem que não se pode persuadir é um homem que faz medo".

Camus não aceita os constrangimentos de sua época, ou ao menos os constrangimentos de certas correntes intelectuais: não se pode falar do expurgo de artistas na Rússia porque isto favoreceria a "reação". Impossível condenar o apoio dos anglo-saxões a Franco, porque isto seria favorecer o comunismo. Homens concretos, em carne e osso, são massacrados, triturados em nome de solenes ideais. Este massacre não deve ser denunciado, para não impedir a marcha da Idéia. "Vivemos no mundo da abstração, no mundo dos escritórios e das máquinas, das idéias absolutas e do messianismo sem nuanças".

Para escapar a este terror, Camus propõe uma pausa para reflexão, sem esquecer que o terror não é propício à reflexão. Chama os homens sem partido, ou mesmo os homens de partido e que nele se sentem mal, todos aqueles que duvidam da realização do socialismo na Rússia e do liberalismo na América, chama mesmo aqueles que têm crenças mas que se recusam a impô-las pelo assassinato, individual ou coletivo. Revolta-se contra a justificação do assassinato em nome de abstrações, por mais atraentes que sejam. E lança a seus contemporâneos duas questões fundamentais:

"Sim ou não, direta ou indiretamente, você quer ser assassinado ou violentado? Sim ou não, direta ou indiretamente, você quer assassinar ou violentar? Todos aqueles que responderem negativamente a estas duas questões estão automaticamente embarcados em uma série de conseqüências que devem modificar sua maneira de expor o problema".

O que ele pede é um mundo, não onde não se assassine –"não somos loucos a tal ponto!"- mas onde ao menos o assassinato não seja legitimado. Choca-se com o fato de que todos aqueles que lutam por ideais históricos são homens cheios de boa vontade e que o resultado de sua ação seja o assassinato, a deportação e a guerra. A recusa de legitimar o assassinato deve conduzir-nos a uma reconsideração da noção de utopia.

"A utopia é o que está em contradição com a realidade. Deste ponto de vista, seria totalmente utópico querer que ninguém mate ninguém. É a utopia absoluta. Mas é uma utopia de grau bem mais viável pedir que o assassinato não mais seja legitimado".

Mais de meio século depois desta denúncia, duas décadas após a queda do Muro e do desmoronamento da União Soviética, assestando sua poltrona no sentido da História - como diria Camus - Luciana Genro legitima assassinatos.

Espanta ver que tal cúmplice de massacres tenha um dia sido eleita deputada.

janer cristaldo
Janeiro 17, 2012

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