O Theatro Municipal de São Paulo é uma preciosidade, uma joia arquitetônica que orgulha a cidade. Como entender que seja vandalizado? Em nome de quê? O que pensa um vândalo imbecil desses?
Trata-se de um incidente pequeno, insignificante, mesmo, diante de outros muito mais graves ocorridos durante as manifestações que há dias tomam conta do país — como os de hoje em Fortaleza, no entorno do estádio Castelão, palco da partida entre as seleções do Brasil e do México pela Copa das Confederações.
Mas a pichação em uma das venerandas colunas do Theatro Municipal de São Paulo (sim, o glorioso teatro mantém a grafia antiga no nome oficial) por algum imbecil que protestava contra o novo preço das passagens de ônibus na cidade carrega, em minha opinião, um grande simbolismo. Além de ser daquelas coisas que jamais conseguirei entender — por mais que, infelizmente, todos estejamos acostumados ao vandalismo nos bens públicos.
O camarada responsável por isso, obviamente, não tem qualquer apreço, para não dizer amor, pela cidade. Não tem a menor ideia do que é importante e do que não é — na cidade, na convivência urbana, na vida. E certamente imagina que tudo é permitido para fazer valer sua opinião.
Não exagero, não. Não considero um ato como esse como “molecagem”, “coisa de jovens”, nada disso.
O desrespeito a uma joia arquitetônica que sobrevive, esplendorosa, no centro ainda deteriorado — apesar dos esforços de sucessivos governos para reverter este quadro — da maior cidade do país, fala por si mesmo.
O Theatro começou a ser construído há 120 anos, em 1903, diante do fato de que o principal palco de manifestações artísticas da cidade, o Teatro São José, havia sofrido um incêndio.
É um projeto do grande arquiteto brasileiro Ramos de Azevedo, que deixou marca indelével em edifícios e monumentos que sobreviveram à brutal modernização de São Paulo, com colaboração dos confrades italianos Cláudio Rossi e Domiziano Rossi.
Foi inaugurado só oito anos depois, em 1911, e a partir daí serviu de palco para espetáculos e acontecimentos transcendentais. Do maior tenor de todos os tempos, Enrico Caruso, a Tom Jobim, de Maria Callas a míticos bailarinos como Isadora Duncan e Nijinsky, de maestros mundialmente consagrados aos maiores nomes do jazz e às mais célebres companhias de teatro, o Municipal viu desfilar ante suas plateias o que de melhor a cultura produziu em mais de um século.
Seria também palco de um acontecimento cultural e político que chacoalhou o Brasil — a Semana de Arte Moderna de 1922, tendo à frente um dos maiores gênios da cultura brasileira desde Cabral, Mário de Andrade.
Seu valor, portanto, é arquitetônico, cultural, urbanístico, simbólico — um baluarte da bela São Paulo de tons europeus dos anos 20 que desapareceu engolida pelo crescimento vertiginoso e descontrolado.
É, ainda hoje, um motivo de orgulho para os paulistanos que pensam.
Mas alguém foi lá e achou genial pichar. Se gente como esse pichador chegar ao poder um dia, estaremos vivendo em uma Coreia do Norte.
21 de junho de 2013
Ricardo Setti - Veja
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