"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

HISTÓRIAS DO SEBASTIÃO NERY

A vergonha da Itália

No meio da praça Campo dei Fiori, em Roma, cheia de flores, frutos e finestras (janelas), com seu mercado aberto ao sol e a milenar arquitetura das hospedarias medievais, o frade Giordano Bruno, de pé, na estátua negra, queimado vivo ali em 1600, acusado de heresia pelo papa, é a denúncia eterna da vergonha da Inquisição, relembrada embaixo, na placa:

“A Bruno, il século da lui divinato, dove il rogo arce” (“A Bruno, o século por ele profetizado, aqui, onde a fogueira ardeu”).

Não longe dali, em outra praça de Roma, a Piazza Del Popolo, ao lado da turística Piazza di Spagna, no dia 9 de outubro de 2005, numa iluminada manhã de muito sol, vi 100 mil pessoas aplaudirem delirantemente o ex-presidente da União Européia, Romano Prodi, Il Professore, ao lançar o programa da União para derrotar o primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

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PRODI

Baixo, rosto quadrado, óculos pretos, 60 anos, Prodi crescia na tribuna:

1. “A Itália não merece Berlusconi. Berlusconi é a vergonha da Itália. Com Berlusconi, a Itália está envergonhada, humilhada. Não merecemos ser governados tão mal. Os italianos merecem coisa melhor”.

2. “Não merecemos a arrogância de um poder que quer livrar da Justiça Berlusconi e seus amigos. Um governo irresponsável, que apresenta um orçamento típico de quem está fugindo e que sabe que não será ele quem irá enfrentar os problemas no próximo ano”.

3. “O governo que prometeu milagres só fez desastres. É este o país em que queremos viver? Não! Digamos não a esse governo que fez uma política de classe, que deu muito aos ricos e nada aos pobres. E ainda jogou sobre o país o preço de suas divisões. Os jovens olham com inveja os próprios pais, temendo que suas vidas sejam piores”.

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CORRUPÇÃO

Há uma unanimidade na Itália. É só ver as televisões, revistas, jornais, os últimos livros políticos, conversar nas redações e nas Universidades, sobretudo com a juventude. Apesar de toda a heróica Operação Mão Limpas da década de 90 do século passado, a Itália é hoje o país mais corrupto da Europa.

Com as diferenças históricas, culturais, sociais, acumuladas em séculos, a Itália, como o Brasil, está algemada pela corrupção endêmica e uma brutal Dívida Pública, que a especulação financeira internacional só faz aumentar, comandando a imprensa, corrompendo partidos, comprando governos.

A Itália ronda o mesmo abismo em que vive o Brasil: um governo corrupto e o país trabalhando sobretudo para os banqueiros, tendo que fazer dolorosos superávits para pagar juros (embora muito menores do que os nossos) e sem sobrar dinheiro para investir no país, no povo.

Para acabar com isso que é a centro-esquerda convocou em 2005 Romano Prodi.

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IBGE DE LÁ

Na época, o ISTAT, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas de lá, divulgou os números da crise e, no comício, Romano Prodi disse que era “muito pior do que o previsto”:

1. “A realidade dos números fala de uma grande parte do país entre a vergonha e a miséria. Com uma população de 58 milhões, 13,2% vivem em condições de indigência” (“vivono in condizioni di indigenza”).

2. “2 milhões e 674 mil famílias italianas, o que significa 7 milhões e 588 mil pessoas, vivem em condições de indigência. São 13,2% do país, este ano (em 2005), contra 10,8% do ano passado. Em um ano são 270 mil a mais”.

3. “No Norte (Milão, Turim etc), são 4,7% das famílias em condições de indigência. No Centro (Roma, Nápoles etc), são 7,3%. No Sul (Sicília, Calábria etc), 25%. Uma família indigente sobre 4” (“La República”).

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BERLUSCONI

Diante de tanta corrupção e de um governo tão despudorado, esperava-se, como se espera no Brasil diante do governo Lula, que a Itália mandasse Berlusconi embora, enxotado.

De onde vem toda essa força dele? Primeiro, a Itália continua até hoje um país grandemente fascista, neofascista. Conversem com um motorista de táxi em Roma, Nápoles, Milão. Morrem de saudade de Mussolini.

E mais. A capacidade de corrupção dos banqueiros italianos, do sistema financeiro internacional na Itália, é secular.

O amancebamento dos banqueiros com a imprensa comprada e os partidos políticos corrompidos faz o resto.

Não por acaso Silvio Berlusconi é banqueiro, dono de três televisões, editoras, mil negócios. Um dos três homens mais ricos do país. E ainda tem um partido e um time de futebol. Continua a ser a vergonha da Itália.

Sebastião Nery
09 de fevereiro de 2012

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