Para o ex-ministro, o sistema tributário brasileiro é complexo porque as situações exigem. E por atendê-las bem, a nossa tributação é uma das mais eficientes do mundo do ponto de vista da arrecadação. Já sobre aplicação dos recursos, Maciel acredita que é preciso dar atenção à questão orçamentária e que ela é um assunto do “povo”.
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Instituto Millenium: No seu artigo “As batalhas pela simplificação tributária”, o senhor afirma que “Há uma convicção generalizada de que a demanda por simplificação se tornou universal e de que o caos tributário não é propriedade de nenhum país”. Por que questões tributárias tenderam à tanta complexidade no mundo inteiro?
Everardo Maciel: É da própria natureza da matéria tributária. O reconhecimento da complicação existe porque o direito tributário está ligado à relações que ficam cada vez mais complexas. Por exemplo, faria sentido a tributação de preços de transferências há 30 anos? Não. Simplesmente a globalização não autorizava que se pensasse em operações tão complexas como preço de transferências, que têm uma legislação extremamente complexa.
O comércio eletrônico de mercadorias é um assunto bastante discutido hoje em dia. Ele não é tratado no código tributário nem na Constituição de 1988, simplesmente porque esse tipo de comércio não existia. Agora que ele existe, como proceder? Criou-se um problema complexo. Esse caso não é o de um cidadão que sai do seu estado e vai fazer compras em alguma loja varejista de outro. Agora o cidadão pede pela internet e recebe pelos Correios. Neste caso, vale a regra constitucional que diz que as vendas não contribuintes são tratadas pela alíquota interna ou a interestadual? Bela discussão.
Reitero que a complexidade se dá pelas relações. Alguém pensaria, por exemplo, que forma de tributação seria adequada para operações como transferência de programas via download? Agora há o intangível. Como tributar? Nosso sistema não foi feito para isso. Para incorporar essas mudanças, há a necessidade de reinventá-lo.
Imil: E qual deve ser o esforço das autoridades?
Maciel: Tentar simplificar esse processo à medida que vão surgindo novas complicações.
Imil: Em comparação aos países desenvolvidos como fica a eficiência do sistema tributário do Brasil?
Maciel: Nosso sistema tributário é extremamente eficiente em alguns aspectos, em outros não. Por exemplo, no plano da utilização intensiva dos novos meios de comunicação e informação, o Brasil talvez seja o país mais sofisticado do mundo. Do ponto de vista da simplificação da legislação, a legislação brasileira na área do consumo é muito complexa, porque é produto de um embate federativo. Diferentemente da tributação do consumo europeu e dos EUA. Por outro lado, a dos EUA é muito vulnerável à sonegação. A brasileira não é frágil assim. O sistema tributário americano, incidente na renda, é inadministrável, mas o do consumo é simples.
Imil: No Brasil cerca de 40% dos impostos incidem sobre os consumo.
Maciel: Eu sempre questiono esses percentuais. Porque partem de informações equivocadas. O Imposto de Circulação de Mercadorias (ICM) incide sobre consumo. Ninguém tem dúvida. O Imposto de Propriedade Industrial (IPI) incide sobre consumo, ninguém tem dúvida. Agora, o Programa de Integração social (PIS)/ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incide? Opa! Considere o PIS/COFINS cumulativo: a base de cálculo dele é a do Imposto de Renda. Ele é imposto de renda ou de consumo? Quando eu falo sobre imposto de consumo ou de renda, é em um plano abstrato. Não com essas estatísticas questionáveis.
Imil: Na opinião do senhor, um imposto único seria uma solução para uma simplificação fiscal?
Maciel: Não. Jamais poderá existir. É uma utopia irrealizável. A complexidade da vida não admite um imposto único. O imposto único é uma tese quase secular. Na Argentina, no começo do século XX, havia a “Revista do Imposto Único”, que contou inclusive com a contribuição de Monteiro Lobato. Mas não existe a possibilidade. Como fundir imposto de importação, Imposto de Renda e imposto patrimonial? Impossível. O imposto que os substituísse os substituiria inadequadamente. Se a simplicidade é um objetivo da política tributária, ela não pode deixar de ser simples para ser simplória.
Imil: E a descrição dos impostos em notas fiscais, o senhor acha que isso ajudaria a conscientizar e esclarecer a população em torno da questão dos impostos?
Maciel: Não, isso tornaria a vida do contribuinte um inferno. Seria passível de equívocos o tempo todo. Na conta de luz ou telefone você vê impostos discriminados, de forma exageradamente simplista. O cidadão lê, sabe ou se importa? Não. Essa exigência da discrição na nota fiscal apenas iria criar um problema ainda maior para o empresário. Um país que tem 45 alíquotas efetivas de ICMS e tem diferença de alíquotas estaduais diferentes, e tem produtos isentos e imunes, e tem produtos da zona franca… Só causaria problemas….
Imil: O sistema tributário no Brasil se mostra muito eficiente em arrecadação, já no retorno em bens essenciais para a população, nem tanto. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributária (IBPT) divulgou o estudo Índice de Retorno De Bem Estar à Sociedade (IRBES), que coloca o Brasil na trigésima posição em retorno de bens para a população. entre os 30 países com maior a carga tributária. Como o senhor vê esta situação?
Maciel: Posso dizer que é uma questão que sai da área tributária. É a área do gasto público: há muito desperdício e pouco foco, para não falar de corrupção. A política de gasto público deve ser revista completamente.
Imil: A população muitas vezes não sabe como se posicionar quanto a questão dos impostos no Brasil. Reclamam uma melhoria em suas vidas, mas o discurso se perde entre a redução imediata dos impostos e os gastos eficientes. O que o senhor pensa sobre isso? Como deveria ser feito?
Maciel: Nós temos uma tradição de dar pouca importância às discussões orçamentárias. Se você perguntar a qualquer brasileiro o que esta acontecendo no orçamento da União, ele não vai saber responder. Nem um jornalista estudado. As pessoas querem o máximo de conforto com o mínimo de impostos. Não há, no Brasil, a mais remota consciência de que orçamento não é questão do governo. É do povo. No limite, a parcela da população que consegue enxergar no orçamento um instrumento para se fazer a vontade do povo, pela via do gasto público, é nula. Não existe consciência fiscal no Brasil. Nunca houve. Mudar isso é uma mudança política.
A questão é a evolução da cidadania. Nós temos um déficit enorme. Não creio que seja sanado em pouco tempo.
26 de maio de 2012
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