Para balear José Serra, Fernando Haddad sacou da maleta a certidão de nascimento. “Um homem novo para um tempo novo”, diz o slogan do candidato à prefeitura de São Paulo que o PT engoliu por ordem de Lula.
Haddad tem 49 anos. Serra, 70. Em outubro de 2008, quando partidários de Eduardo Paes incluíram a diferença de idade no repulsivo balaio de espertezas forjadas para convencer o eleitorado carioca a aposentar Fernando Gabeira, publiquei no Jornal do Brasil um artigo com o mesmo título deste post.
A reprise ensaiada pelo filhote de Lula exige a republicação do texto. Volto em seguida.
“Um é novo, outro é velho, decreta a primeira linha de uma reportagem que confronta os perfis dos candidatos Eduardo Paes, 38 anos, e Fernando Gabeira, 67. Se a frase abrisse o editorial que formaliza a escolha feita por um jornal, nada a objetar. Se abrisse algum texto assinado por colunistas ou colaboradores, tudo bem. Como abre uma reportagem que deve tratar as coisas como as coisas são, a isenção é assassinada no prólogo ─ e os capítulos seguintes estão condenados à morte por parcialidade. Não há esperança de salvação para matérias jornalísticas que, amparadas em duas certidões de nascimento, decretam em seis palavras quem é o novo e quem é o velho.
Se a diferença de idade é o quesito mais relevante no desfile de comparações, a sensatez e a ética recomendam palavras que rimem com neutralidade. Por exemplo: um tem 26 anos menos que outro. Ou, então, um tem 26 anos mais que outro. Ou, ainda, um é mais novo que o outro. A escolha de uma quarta opção transformou Paes na encarnação da novidade, da inovação, da mudança ─ e comunicou aos cariocas que o candidato do PV é apenas velho.
Quase 34 anos distante de Oscar Niemeyer, 10 atrás de Fernando Henrique Cardoso, quatro à frente de Lula, apenas um à frente de José Serra, Gabeira só se encaixaria nessa simplificação se fosse portador de senilidade precoce (e aguda). Como o candidato sessentão chegou ao ponto final da reportagem com boa saúde, deduz-se que o decreto se apoiou exclusivamente no calendário gregoriano.
Juventude é uma expressão associada a entusiasmo, energia, dinamismo, vitalidade. No Brasil, pode ser o outro nome do perigo. Os mais velhos sabem disso desde o começo da década de 60. Os ainda novos ficaram sabendo na década de 90. Jânio Quadros tinha 44 anos ao tornar-se presidente em 1961. Renunciou depois de sete meses, sem explicar direito por quê. O vice João Goulart tinha 43 quando herdou a vaga. Perdeu-a 36 meses mais tarde, deposto pelo golpe militar de 1964.
Como a era dos generais revogou a eleição direta, o último presidente escolhido nas urnas seria também o mais jovem da história republicana entre 1960 e 1989. Foi superado por Fernando Collor, eleito com 40 anos. O recordista em idade se tornaria também o único a escapar do impeachment pelo atalho da renúncia. Os presidentes quarentões não deixaram saudade.
No começo da campanha, Eduardo Paes parecia moço demais para cuidar do Rio. A 10 dias da decisão, está claro que o corpo de menor de 40 tem uma cabeça perturbadoramente envelhecida por excesso de pressa e carência de princípios. Gabeira foi desde sempre um contemporâneo do mundo ao redor. Paes é a versão remoçada dos políticos do século passado. Um se orienta por idéias. Outro é conduzido por interesses, circunstâncias e conveniências.
Eduardo Paes sempre embarca no trem que lhe parece mais veloz e abandona o vagão quando a velocidade diminui. Começou no PV, fez uma demorada escala no cordão dos agregados de Cesar Maia, elegeu-se deputado federal pelo PFL, filiou-se ao PSDB, caprichou no papel de inquisidor enquanto durou a CPI dos Correios, foi promovido a secretário nacional do partido, candidatou-se a governador para garantir a tribuna que lhe permitiu desancar o padrinho Cesar Maia e o adversário Sérgio Cabral, rendeu-se ao PMDB de olho em alguma vaga no secretariado estadual. Para quem viveu tão pouco, não é pouca coisa.
Decidido a alojar-se no gabinete do prefeito, Paes topa qualquer negócio, faz tudo o que for preciso. Insulta o tutor Cesar Maia, rasteja diante de Lula, presta vassalagem à primeira-dama, ordena agressões a cabos eleitorais adversários, mobiliza entidades fantasmas em passeatas instruídas para gritar que Gabeira odeia suburbanos, renega os companheiros de combate na CPI, acaricia mensaleiros juramentados, absolve de todos os pecados a bandidagem dos partidos que o apóiam. Cesar Maia? Só esse não pode. Babu, o vereador de estimação dos moradores dos presídios, esse pode. Delúbio Soares? Pode.
Os vincos no rosto de Fernando Gabeira reafirmam a idade que tem. As rugas na alma de Eduardo Paes informam que a idade mental é muito maior que a oficial. Um é antigo. Outro é moderno.
Em 1984, Paulo Maluf amparou-se na mesma fraude para enfrentar Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
“O Brasil não deve eleger um presidente com mais de 70 anos de idade”, começou a recitar o candidato do regime militar agonizante. A ladainha foi silenciada pela curta réplica de Tancredo:
“A Inglaterra, no auge da Segunda Guerra, foi conduzida com sabedoria pelo ancião Churchill. Roma antiga, no entanto, foi incendiada pela estupidez do jovem Nero”.
Juventude costuma ser sinônimo de inquietação, rebeldia, independência. Fernando Haddad faz tudo o que lhe ordena o padrinho sessentão. Prisioneiro de teses empoeiradas, com a cabeça estacionada em outros séculos, a invenção de Lula é um Eduardo Paes que ainda não soube da queda do Muro de Berlim.
De novo, o maior adversário de José Serra é o próprio José Serra. Ele terá de mostrar ao eleitorado, com a veemência e a clareza que lhe faltaram em 2010, que a velhice política não é determinada pelo calendário gregoriano, mas pela idade das ideias.
05 de junho de 2012
Augusto Nunes
Haddad tem 49 anos. Serra, 70. Em outubro de 2008, quando partidários de Eduardo Paes incluíram a diferença de idade no repulsivo balaio de espertezas forjadas para convencer o eleitorado carioca a aposentar Fernando Gabeira, publiquei no Jornal do Brasil um artigo com o mesmo título deste post.
A reprise ensaiada pelo filhote de Lula exige a republicação do texto. Volto em seguida.
“Um é novo, outro é velho, decreta a primeira linha de uma reportagem que confronta os perfis dos candidatos Eduardo Paes, 38 anos, e Fernando Gabeira, 67. Se a frase abrisse o editorial que formaliza a escolha feita por um jornal, nada a objetar. Se abrisse algum texto assinado por colunistas ou colaboradores, tudo bem. Como abre uma reportagem que deve tratar as coisas como as coisas são, a isenção é assassinada no prólogo ─ e os capítulos seguintes estão condenados à morte por parcialidade. Não há esperança de salvação para matérias jornalísticas que, amparadas em duas certidões de nascimento, decretam em seis palavras quem é o novo e quem é o velho.
Se a diferença de idade é o quesito mais relevante no desfile de comparações, a sensatez e a ética recomendam palavras que rimem com neutralidade. Por exemplo: um tem 26 anos menos que outro. Ou, então, um tem 26 anos mais que outro. Ou, ainda, um é mais novo que o outro. A escolha de uma quarta opção transformou Paes na encarnação da novidade, da inovação, da mudança ─ e comunicou aos cariocas que o candidato do PV é apenas velho.
Quase 34 anos distante de Oscar Niemeyer, 10 atrás de Fernando Henrique Cardoso, quatro à frente de Lula, apenas um à frente de José Serra, Gabeira só se encaixaria nessa simplificação se fosse portador de senilidade precoce (e aguda). Como o candidato sessentão chegou ao ponto final da reportagem com boa saúde, deduz-se que o decreto se apoiou exclusivamente no calendário gregoriano.
Juventude é uma expressão associada a entusiasmo, energia, dinamismo, vitalidade. No Brasil, pode ser o outro nome do perigo. Os mais velhos sabem disso desde o começo da década de 60. Os ainda novos ficaram sabendo na década de 90. Jânio Quadros tinha 44 anos ao tornar-se presidente em 1961. Renunciou depois de sete meses, sem explicar direito por quê. O vice João Goulart tinha 43 quando herdou a vaga. Perdeu-a 36 meses mais tarde, deposto pelo golpe militar de 1964.
Como a era dos generais revogou a eleição direta, o último presidente escolhido nas urnas seria também o mais jovem da história republicana entre 1960 e 1989. Foi superado por Fernando Collor, eleito com 40 anos. O recordista em idade se tornaria também o único a escapar do impeachment pelo atalho da renúncia. Os presidentes quarentões não deixaram saudade.
No começo da campanha, Eduardo Paes parecia moço demais para cuidar do Rio. A 10 dias da decisão, está claro que o corpo de menor de 40 tem uma cabeça perturbadoramente envelhecida por excesso de pressa e carência de princípios. Gabeira foi desde sempre um contemporâneo do mundo ao redor. Paes é a versão remoçada dos políticos do século passado. Um se orienta por idéias. Outro é conduzido por interesses, circunstâncias e conveniências.
Eduardo Paes sempre embarca no trem que lhe parece mais veloz e abandona o vagão quando a velocidade diminui. Começou no PV, fez uma demorada escala no cordão dos agregados de Cesar Maia, elegeu-se deputado federal pelo PFL, filiou-se ao PSDB, caprichou no papel de inquisidor enquanto durou a CPI dos Correios, foi promovido a secretário nacional do partido, candidatou-se a governador para garantir a tribuna que lhe permitiu desancar o padrinho Cesar Maia e o adversário Sérgio Cabral, rendeu-se ao PMDB de olho em alguma vaga no secretariado estadual. Para quem viveu tão pouco, não é pouca coisa.
Decidido a alojar-se no gabinete do prefeito, Paes topa qualquer negócio, faz tudo o que for preciso. Insulta o tutor Cesar Maia, rasteja diante de Lula, presta vassalagem à primeira-dama, ordena agressões a cabos eleitorais adversários, mobiliza entidades fantasmas em passeatas instruídas para gritar que Gabeira odeia suburbanos, renega os companheiros de combate na CPI, acaricia mensaleiros juramentados, absolve de todos os pecados a bandidagem dos partidos que o apóiam. Cesar Maia? Só esse não pode. Babu, o vereador de estimação dos moradores dos presídios, esse pode. Delúbio Soares? Pode.
Os vincos no rosto de Fernando Gabeira reafirmam a idade que tem. As rugas na alma de Eduardo Paes informam que a idade mental é muito maior que a oficial. Um é antigo. Outro é moderno.
Em 1984, Paulo Maluf amparou-se na mesma fraude para enfrentar Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
“O Brasil não deve eleger um presidente com mais de 70 anos de idade”, começou a recitar o candidato do regime militar agonizante. A ladainha foi silenciada pela curta réplica de Tancredo:
“A Inglaterra, no auge da Segunda Guerra, foi conduzida com sabedoria pelo ancião Churchill. Roma antiga, no entanto, foi incendiada pela estupidez do jovem Nero”.
Juventude costuma ser sinônimo de inquietação, rebeldia, independência. Fernando Haddad faz tudo o que lhe ordena o padrinho sessentão. Prisioneiro de teses empoeiradas, com a cabeça estacionada em outros séculos, a invenção de Lula é um Eduardo Paes que ainda não soube da queda do Muro de Berlim.
De novo, o maior adversário de José Serra é o próprio José Serra. Ele terá de mostrar ao eleitorado, com a veemência e a clareza que lhe faltaram em 2010, que a velhice política não é determinada pelo calendário gregoriano, mas pela idade das ideias.
05 de junho de 2012
Augusto Nunes
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