Teju Cole é uma das últimas revelações da literatura contemporânea dos Estados Unidos. Elogiado pela crítica e comparada a autores como J. M. Coetzee, australiano Nobel de literatura, ele é um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano. Veio para lançar seu romance Cidade Aberta (Companhia das Letras, 320 páginas, R$ 49,00). Americano criado na Nigéria, ele anda pelas ruas com sua câmera – analógica – em punho, registrando os detalhes da cidade. “Fotografar com filme diminui meu ritmo. É a mesma coisa que busco fazer na minha literatura”, diz. Cole – chamado nas ruas de Paraty de Teju – recebeu ÉPOCA para uma conversa. Falou sobre a dificuldade de falar dos atentados de 11 de Setembro na literatura e se declarou fã de artistas brasileiros como Caetano Veloso e Gal Costa. O resultado da entrevista você confere abaixo:
Os atentados de 11 de Setembro são uma presença marcante no seu romance. Muitos autores acham difícil escrever sobre eles. Como você conseguiu e que tipo de dificuldade teve?
Acho que poucos autores se fazem essa pergunta. E é importante fazê-la. Por isso aparecem pessoas que querem fazer filmes de ação sobre os atentados. É muito difícil escrever sobre atrocidades, desastres e, principalmente, perdas de outras pessoas. Quando comecei a escrever o livro, me perguntei: como escrever sobre o sofrimento de outros, do ponto de vista histórico? A solução foi falar do assunto o mais indiretamente possível. Há uma moda de narrativas do Holocausto. Eu não quis escrever um romance sobre o Holocausto, ou escravidão, a guerra no Iraque, no Vietnã – nada do tipo. Precisamos nos dar conta que o que aconteceu em Nova York foi o horror verdadeiro. Por isso, temos que encontrar um jeito de escrever sobre algo que é impossível de ser dito. Deve haver relutância na escrita. Cidade Aberta é um livro pós-11 de Setembro sim. Mas busquei uma forma de não falar demais do assunto. Foi o método que encontrei e acredito. Quero levar meu leitor para um lugar tranquilo e fazê-lo pensar: estou aqui e, a algumas quadras, dois aviões chocaram-se contra duas torres, matando mais de três mil pessoas. Três mil pessoas. Quis falar de um jeito silencioso dos atentados, porque não se pode falar alto.
Cidade aberta, título do seu livro, também é um termo militar. Qual sentido você buscou para a expressão?
É um sentido parecido com o usado no filme Roma, Cidade Aberta. Mas acho que o filme tem um tratamento mais melodramático da expressão. No filme, cidade aberta se refere a um tempo militar mesmo. Cidade aberta era a cidade onde havia uma espécie de acordo entre seus moradores e o exército invasor, para que a cidade não fosse destruída pelos soldados. Eles poderiam comer a comida dos habitantes, usar suas casas – mas não destruiriam nada. Roma, Bruxelas e Paris, por exemplo, foram cidades abertas. É meio um pacto com o diabo, o que eu acho meio interessante (risos). Mas também uso o outro sentido, mais positivo: cidade aberta é um lugar onde você pode ir e vir, onde as pessoas vão para encontrar a si mesmas. Um lugar de mente e coração abertos.
Muitas pessoas diriam que Nova York é opressiva, o exato contrário disso…
De fato, há um paradoxo. Mas eu acho que Nova York é as duas coisas. Em certo sentido, todos fogem para lá buscando liberdade. Você pode praticar sua religião, amar quem você quiser. Mas há mesmo a sensação de que algo não está certo, algo abaixo da superfície. No caso de Nova York não é um problema militar, mas histórico e econômico. A cidade fez um pacto com a história. Isso deixa muitas pessoas desconfortáveis. O livro começou quando percebi esse paradoxo.
Você é americano, mas cresceu na Nigéria. Você se sente um estrangeiro na cidade?
Eu pertenço a qualquer lugar com Wi-fi e um plano de dados para o meu iPhone (risos). Mas falando sério: Nova York é minha casa. É lá que eu escrevo, fotografo e trabalho. E ninguém me olha como se eu fosse de fora. O interessante é que o simples fato de eu não ter uma identidade fixa é meu salvo-conduto para viver na cidade. É uma cidade cheia de tipos cosmopolitas. Também sou nigeriano, claro, falo iorubá. Só que lá eles me acham meio estranho. Não tem muita gente com cara de rapper como eu (risos).
Você também faz cinema e fotografa. Você vê alguma semelhança estética entre os dois e sua escrita?
Vejo. E começo a ver cada vez mais. Uso filme e digital, mas também o iPhone. Não acho tão importante a mídia que eu uso. Sempre tento dizer a mesma coisa (mostra uma foto que tirou em Paraty). Mas sempre prefiro a fotografia analógica, porque ela me força a diminuir o ritmo, a contemplar, pensar mais. Uma foto como esta (mostra outra foto), analógica, é como um pequeno poema. Algumas imagens eu jamais teria feito com o digital. E busco esse ritmo mais lento do analógico nos meus livros. Cidade Aberta é um livro devagar. E também que busca encontrar a ligação entre histórias diferentes e aparentemente desconectadas. Por isso meu livro não tem uma trama, mas várias pequenas tramas. Tenho cenas no livro vistas dos aviões que passam sobre a cidade. Só que a fotografia é mais óbvia que a literatura. Escrever é mais sutil.
Você escreve com bastante paixão sobre arte e música. Como esse interesse afeta sua escrita?
O estudo da arte me ensinou a ser muito paciente na escrita. Me ensinou a descrever. Quero mostrar para o leitor o que ele não vê. Não para fazê-lo visualizar, mas para diminuir seu ritmo e trazê-lo para dentro do romance comigo. Você lê os detalhes e logo os esquece. Mas você ficou comigo por duas páginas. Seu coração bate diferente. A vida é acelerada, o livro é meditativo. Sobre a música, meu personagem gosta de música clássica – eu também. Mas eu gosto de vários tipos de música, inclusive MPB, como Caetano, João Gilberto, Gal Costa. E até coisas mais modernas, como Seu Jorge.
A ausência de trama e outras características, fez alguns críticos considerarem você um autor experimentalista. Você concorda com essa visão?
Comparado ao Jonathan Franzen, que está aqui em Paraty, eu não sou nada experimentalista. Comparado a ficção realmente experimental, Cidade Aberta não é nada. Tento colocar coisas reais em vez de apenas personagens, o ir e vir da vida. É um pouco experimentalista sim. Gostaria de ser mais.
Foto: Teju Cole – Companhia das Letras/Divulgação
07 de julho de 2012
Maurício Ribeiro Meireles, de Paraty
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