Não leve a mal, mas as próximas linhas estão cheias de adjetivos. Apenas dessa forma é possível revelar a estratégia descarada de deputados federais para embolsar pela última vez os salários extras. A partir de manobras, os parlamentares atrasam a tramitação do projeto sobre o fim do 14º e 15º.
Agarram-se ao privilégio como podem, desesperados a continuar embolsando o nosso dinheiro. A tática dos espertalhões é conseguir adiar a aprovação do texto até o início do próximo ano e, assim, conseguir ganhar R$ 26,7 mil em dezembro e outros R$ 26,7 mil no início de fevereiro de 2013.
Serão mais de R$ 50 mil em menos de três meses.A derrubada dos salários extras é inevitável, afinal, é impossível encontrar algum cidadão disposto a pagar do próprio bolso as vantagens dos parlamentares. Trata-se de justiça, pois. Se todos recebem no máximo 13 contracheques por ano, qual a razão para políticos ganharem 15 rendimentos?
É o descaramento de quem não tem respeito pelo contribuinte.
Assim, os aproveitadores do dinheiro alheio sabem que a mamata — desculpe o termo, mas é inevitável — vai acabar.
E, por isso, tentam segurar o benefício pela última vez.
Só mais uma.
A regalia dos deputados e senadores foi estabelecida em 1995. A intenção do autor da nefasta ideia — nesses casos, é impossível apontar um único culpado — era restituir aos parlamentares os gastos com a mudança de mobiliário e de parentes dos estados de origem para Brasília. Pela lógica torta, a regalia deveria ser paga no início do mandato e no fim dos quatro anos, mesmo assim se o nobre político fosse defenestrado pelas urnas.
Caso reeleito, não faria sentido receber os valores, afinal, já estava instalado na capital da República.
Pois o que era para ser pago apenas duas vezes em quatro anos passou a ser anual. E pior, acabou se multiplicando pelas assembleias municipais e estaduais. Na política brasileira, todos querem tirar uma casquinha. Nos últimos seis meses, este Correio, a partir de reportagens de fôlego, capitaneou uma campanha jornalística contra os salários extras.
Tudo começou em fevereiro, quando os repórteres deste jornal conseguiram revelar o absurdo dos rendimentos recebidos pelos deputados distritais. Ali, o absurdo foi cortado, apesar de protestos.
ImpostoA batalha no Senado foi um tanto mais complicada.
O texto apresentado pela hoje ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, prevendo o fim dos 14º e 15º salários, demorou um ano e três meses para ser aprovado. E só o foi depois de constrangimentos, como os provocados por reportagens — também deste jornal — sobre a não declaração dos rendimentos extras à Receita Federal.
Na Câmara desde maio, o projeto, até agora, não ganhou a atenção devida de parlamentares — alguns, como o líder do PT, Jilmar Tatto, fogem do tema.
E, assim, chegamos à estratégia descarada dos deputados em embolsar pela última vez os rendimentos extras.
Os deputados da Comissão de Finanças e Tributação prometem votar o texto na próxima quarta-feira. Caso aprovado, segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, depois, para o plenário. Resta saber quanto tempo os políticos tentarão segurar o projeto. E, assim, receber o dinheiro do contribuinte em mais duas ocasiões.
Para atrasar os prazos, o Congresso está em recesso branco — a esculhambação da esculhambação — por conta das eleições. É mais uma das contradições do vergonhoso privilégio.
Como os deputados querem receber mais de 13 salários se não trabalham e usam o tempo em que deveriam estar no Congresso para fazer campanhas nos estados de origem? Assim, os parlamentares se apoiam no recesso branco para deixar de votar um projeto que acaba com a mordomia salarial.
Ao mesmo tempo em que não fazem o trabalho legislativo, querem continuar com o direito de receber daqui a seis meses mais R$ 53,6 mil.Avisei que a coluna estava cheia de adjetivos.
Era inevitável.
Leonardo Cavalcanti Correio Braziliense
19 de agosto de 2012
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