A formosa cubana
Pessoa de Morais, sábio e venerando pernambucano, exótico mas culto, douto, professor de Filosofia, Sociologia e Direito da Universidade Federal de Recife, foi arrancado de casa de noite, depois do golpe de 64, e levado para interrogatório em um quartel. Furioso, mas contido e vingativo.
- Nome do senhor?
- Pessoa de Morais. No plural. No singular, todos são. Ou devem ser.
- Ideologia?
- Anarquista teórico.
- Comunista?
- Não. O comunista é um anarquista prático.
- Vamos ao depoimento.
- Só em alemão. Só me expresso bem em alemão. Em português, posso confundir-me.
Passou a noite ditando o depoimento, letra por letra. De manhã cedo, dispensaram-no e o devolveram para casa. À tarde voltou:
- Posso corrigir meu depoimento de ontem? Há umas inexatidões. Não me expressei bem. Faltou definir democracia.
- Em português ou em alemão?
- Em alemão.
- Ah, professor, por favor, esquece. Democracia em alemão? É melhor logo a ditadura.
E mandaram o professor de volta.
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RÔMULO PAIS
Rômulo Pais, patrimônio de Minas, maior compositor popular do Estado (Ari Barroso, Ataulfo Alves, tantos outros, nasceram lá mas viraram cariocas), venceu carnavais sem conta, fez obras-primas inesquecíveis:
“Foi pra Santa Tereza / que aquela beleza / o bonde pegou”.
Com Henrique de Almeida, em 61, embalado pela revolução cubana, fez uma música de muito sucesso: “Formosa Cubana”. Dizia assim:
“Vamos todos cantar / Cuba-libre tomar!
Foi hasteada a bandeira no mastro / Vitória do barbudo Fidel Castro!
Lolita, formosa cubana / Vem, vem pra festa,
e deixa a Sierra Maestra!”
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“FICOU MUITO FEIA…”
Em 64, no dia 1º de abril, Belo Horizonte amanheceu incendiada pelo fogaréu udenista-militar de Magalhães Pinto e Mourão Filho. Rômulo Pais entrou no bar Pólo Norte, matriz da boemia mineira. Gervásio Horta, outro grande compositor popular (alma secreta de Valdick Soriano, autor de muitos dos sucessos do patrono da cafonália), começou a cantar a “Formosa Cubana”.
Rômulo foi saindo rápido, Gervásio insistiu:
- Rômulo, esta beleza de marcha não é sua?
- Nada disso. Não tenho nada a ver nem com a letra nem com a música. São do louco do Henrique Almeida.
Gervásio continuou cantando. Rômulo implorou, desesperado:
- Não canta, Gervásio! Desde ontem essa cubana ficou muito feia.
E saiu assoviando: “Foi pra Santa Tereza, que aquela beleza”…
A “Formosa Cubana” é o PT. Durante 25 anos, foi a alegria da meninada, Lula-lá, a estrela canção da esperança, sem medo de ser feliz. Era a “Formosa Cubana”, que de repente ficou muito feia. Com dez anos da estrela do PT, nem Lula lá nem o povo aqui querem saber mais dela.
19 de agosto de 2012
Sebastião Nery
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