José Eduardo dos Santos comanda Angola há 33 anos e pode ficar mais dez no poder. Tem cara de ditadura, mas ninguém o incomoda – nem o Brasil
A África é pródiga em longevos governantes. Alguns saíram de circulação com a Primavera Árabe, como o líbio Muammar Khadafi (42 anos no poder) e o egípcio Hosni Mubarak (30 anos). Outros tiranos estão em plena atividade. Robert Mugabe manda no Zimbábue desde 1980.
Em agosto de 1979, começava a tirania de Teodoro Mbasogo na Guiné Equatorial. Ambos são ditadores clássicos – e assim reconhecidos internacionalmente. Apenas um mês depois da ascensão de Mbasogo, chegava ao poder um homem cuja trajetória é um caso singular na política africana. Ele é o presidente de Angola desde então e se chama José Eduardo dos Santos.
A etiqueta de ditador não cola em ZéDu, como ele é apelidado no país. Os líderes do Ocidente não o incomodam com exigências democráticas. Ao contrário, eles vão a Angola para cumprimentar o mandatário angolano em visitas oficiais – e o Brasil faz parte dessa lista. A presidente Dilma Rousseff esteve em Luanda, capital angolana, em outubro do ano passado. Posou sorridente ao lado de José Eduardo. Qual o segredo?
O argumento mais direto a favor dele é que ditadores não costumam fazer eleições ou, quando as fazem, a fraude é regra. Não é assim em Angola. O país vai às urnas na próxima sexta-feira para renovar as 220 cadeiras da Assembleia Nacional. O voto é no partido, que apresenta uma lista fechada. Os angolanos também elegerão o novo presidente, o primeiro nome da relação de candidatos.
O novo presidente, não. O de sempre, porque José Eduardo é o cabeça da lista de seu partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e ninguém duvida que ele ganhará. O MPLA não precisa de trapaças para seguir no comando do país.
Sua direção fala em quase 5 milhões de militantes. Houve eleições legislativas em 2008. O MPLA teve 82% dos votos, e observadores internacionais não registraram nenhuma grande irregularidade. José Eduardo ficará mais cinco anos no poder. A atual Constituição, escrita em 2010, lhe permite uma reeleição por outros cinco.
Conclusão: ZéDu pode estender seu mandato até 2022, quando terá 80 anos de idade e 43 de governo. Olhando de fora, parece um autêntico tirano. Curiosamente, não há quem adote esse raciocínio na comunidade internacional.
Angola foi assolada por uma guerra civil desde sua independência de Portugal, em 1975, até 2002, quando José Eduardo assinou um tratado de paz com a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita), principal força de oposição.
O trabalho de reconstrução é enorme. Mais de 50 empresas brasileiras estão lá para aproveitar as oportunidades. A construtora Odebrecht foi a pioneira. Chegou em 1984, para erguer a hidrelétrica de Capanda, e tem a maior operação no país. Seu faturamento superou US$ 1 bilhão no ano passado (leia o quadro).
A Odebrecht é tão influente em Angola que José Eduardo não teve dúvidas a quem recorrer quando começaram a faltar produtos básicos nas prateleiras da rede de supermercados populares Nosso Super, criada pelo governo em 2007.
A Odebrecht assumiu a gestão das 29 lojas e enveredou no segmento com a construção do Belas Shopping, em Luanda. As exportações de bens e serviços das companhias brasileiras para Angola têm crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A linha mais recente, de US$ 2 bilhões, começa a operar no ano que vem. O lastro do financiamento é o petróleo angolano.
Se os negócios vão bem com José Eduardo há tanto tempo, o empresariado não tem por que pensar em mudança – por decorrência, nem o governo brasileiro. Um diplomata com experiência em Angola diz que, nas conversas informais de corredor no Itamaraty, há quem chame livremente ZéDu de ditador. Para fora, o discurso é protocolar.
A assessoria do ministério disse que não se pronunciaria sobre as eleições em Angola por se tratar de assunto da “esfera da política interna do país”. O Brasil está envolvido na campanha do MPLA por meio do marqueteiro João Santana, que comandou as campanhas do ex-presidente Lula em 2006 e da presidente Dilma em 2010.
A escolha de Santana teve o aval de Lula, que sempre manteve boa relação com José Eduardo. A preferência do MPLA pela publicidade brasileira é histórica. A agência Propeg, do baiano Fernando Barros, cuidou das campanhas nas eleições de 2008 e também em 1992, o último (e único) pleito presidencial angolano.
A gratidão de José Eduardo aos brasileiros vem desde antes da independência de Angola. Em sua última viagem a Brasília, em junho de 2010, ele fez uma visita regimental ao Supremo Tribunal Federal. Na conversa com alguns dos ministros da corte, contou sua admiração pela literatura do Brasil, especialmente de Jorge Amado.
Disse que os livros da fase comunista do escritor o inspiraram a lutar por seu país, ainda como líder estudantil em grupos clandestinos contra Portugal. Numa estratégia de apoio à causa anticolonialista, o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a soberania angolana. José Eduardo era o chanceler do presidente Agostinho Neto.
Sua tarefa era buscar legitimidade internacional para o governo do MPLA. Agostinho morreu em 1979, abrindo o caminho para seu pupilo. A única vez em que o Brasil desagradou a José Eduardo foi em novembro de 2009, quando o governo concedeu a Ordem do Mérito Cultural a José Eduardo Agualusa, escritor angolano que é opositor declarado de seu xará presidente.
A embaixada angolana fez chegar ao Itamaraty sua insatisfação porque Brasília não avisou Luanda sobre a premiação de um “personagem controverso”. “Se houve isso mesmo, é um completo disparate, uma atitude antinacional. Prefiro acreditar que isso não ocorreu”, afirma Agualusa.
Tanto tempo no poder não pode ser explicado apenas pela complacência externa. José Eduardo é um “monstro político”, nas palavras de um ex-colaborador de suas campanhas. A sangrenta disputa com a Unita, que custou cerca de 500 mil vidas, sempre foi a justificativa para o MPLA adiar indefinidamente a realização de eleições. Em 1992, José Eduardo derrotou o líder da Unita, Jonas Savimbi.
Deveria ter havido segundo turno. Savimbi não aceitou as condições impostas pelo governo e retomou a guerra. A trégua com a Unita só viria em 2002. Dez anos depois, José Eduardo ainda se apresenta como o “arquiteto da paz”. Nas eleições de 2008, o discurso do MPLA era garantir a estabilidade do país. Agora, o slogan é “Angola a crescer mais e a distribuir melhor”, sob o argumento de que o país já se estabilizou – e é hora de aproveitar o crescimento econômico (o PIB subiu de US$ 11 bilhões em 2002 para US$ 101 bilhões no ano passado).
O MPLA conta com sua enorme estrutura no país inteiro, para se manter no poder agora que, aparentemente, haverá eleições de cinco em cinco anos. Os sinais de desgaste, porém, já são notados. Quando a Primavera Árabe estava no auge, no início do ano passado, as principais lideranças do MPLA deixaram suas lanchas a postos, com combustível no tanque, para fugir de Luanda caso estourasse uma revolta popular. José Eduardo tem uma lancha Ferretti de 115 pés. Até onde se sabe, não a deixou de prontidão.
Precavido, ele começou a abafar alguns focos de insatisfação, como os rappers Carbono Casimiro e Ikonoklasta, agredidos e detidos por estimular manifestações antigoverno. Mesmo a repressão é feita de maneira mais dissimulada. Não há violência brutal contra manifestantes.
Tudo é feito de modo calculado, como se espera de um tecnocrata. José Eduardo se formou em engenharia de petróleo no Azerbaijão, então parte da União Soviética, que apoiava o MPLA.
Os Estados Unidos financiavam a rival Unita, mas hoje se dão muito bem com ele. Enquanto outros governantes africanos ostentam sua riqueza descaradamente, ZéDu deixou a tarefa de enriquecer aos filhos – sua filha mais velha, Isabel, é a mulher mais rica de Angola, uma multiempresária com fortuna estimada em US$ 170 milhões.
Ele tem a fala mansa, uma voz frágil, e seus discursos não são nada empolgantes. Mas não há quem não o respeite no país. José Eduardo manda em Angola até quando quiser – seja ditador ou não.
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