A oposição nunca foi tão reduzida quanto hoje; não há sinais de que os aliados ainda recebem propina: cargos e emendas parlamentares cumprem esse papel
Plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (Jose Cruz/ABr)
Nas últimas semanas, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem comprovado de forma incontestável a existência de um sistema de compra de apoio parlamentar na Câmara dos Deputados durante o primeiro governo Lula. Quatro partidos foram cooptados, por meio do pagamento de propina, a apoiar o governo.
Sete anos depois, enquanto os réus do mensalão encontram finalmente a justiça, o PT continua no governo. Mas, na Câmara, a situação é outra: os oposicionistas estão em número reduzido, o menor da história desde a redemocratização do país (menos de 20% do Congresso). A base da presidente Dilma Rousseff inclui não só so quatro partidos que fizeram parte do mensalão (PP, PMDB, PTB e PR), mas 19 das 24 legendas representadas na Casa. Duas são independentes. Quatro formam a oposição.
Não há sinal por enquanto de que essa gigantesca base de sustentação seja mantida por meio do pagamento de propina. E ninguém acredita que haja uma afinidade ideológica entre todos esses partidos. A moeda agora é outra: a distribuição de cargos na Esplanada dos Ministérios. Já era, aliás, antes do mensalão. A diferença é que, no início de seu governo, Lula não tinha uma base sólida para aprovar projetos controversos, como a reforma da Previdência: parte das siglas, por inércia, permanecia mais próxima ao PSDB, que deixara o governo meses antes.
"Muita gente estranhou quando o mensalão veio à tona. A distribuição de cargos e de emendas tradicionalmente era a maneira de manter o bloco governista coeso. Mas em 2003 e 2004, aparentemente o governo Lula precisou de mais do que de cargos e emendas orçamentárias", avalia o professor de ciência política da Universidade de Brasília David Fleischer.
Moeda - Hoje, o uso de cargos e emendas como moeda de troca se dá de forma desavergonhada. Quando quis atrair para a órbita do PT o PRB de Celso Russomanno, a presidente Dilma Rousseff deu o Ministério da Pesca a um representante do partido da Igreja Universal do Reino de Deus: o senador Marcelo Crivella (RJ).
Por outro lado, a presidente encontrou a ira do PR quando demitiu Alfredo do Nascimento, atolado em denúncias de corrupção, do Ministério dos Transportes.
Alguns ministérios são feudos de partidos. É o caso das pastas das Cidades (PP), da Agricultura (PMDB) e do Esporte (PC do B). Sai um ministro, entra outro do mesmo partido. Abaixo dos cargos de primeiro escalão, o governo ainda dispõe de 20 000 postos comissionados, que podem ser preenchidos sem concurso público.
As emendas parlamentares, o percentual do Orçamento cuja destinação é apontada pelos parlamentares, dependem de liberação do governo. A barganha já se tornou tradicional: o governo solta os recursos a conta-gotas. Até que a base aliada se irrita e bloqueia as votações. O governo cede temporariamente até a próxima rebelião. Quando precisa aprovar um projeto importante, o Executivo reforça a liberação das emendas - que são importantes porque os parlamentares podem usá-las para garantir dividendos eleitorais em suas regiões de origem.
O mensalão, que incluiu pagamentos em dinheiro vivo, ficou para trás. Mas o novo modelo está na raiz dos sucessivos escândalos de corrupção que marcaram o primeiro ano do governo Dilma. No ano passado, por exemplo, VEJA mostrou que o PR usava o Ministério dos Transportes para abastecer o próprio caixa. O mensalão era menos prático: com seus ministérios, os partidos podem trabalhar agora por conta própria.
"Eles têm uma margem mais folgada, mas a gente não sabe o que está se passando nos subterrâneos do governo. Porque eles optaram pela entrega desses instrumentos à base aliada. Em 2005, houve uma grande denúncia que possibilitou a investigação. Mas hoje a gente não sabe o que se passa", diz José Agripino Maia, senador e presidente do DEM.
Seja qual for o benefício oferecido aos partidos governistas, certo é que a oposição não traz qualquer vantagem imediata - apenas a perspectiva de chegar ao poder em uma eventual guinada eleitoral. O professor David Fleischer explica a lógica que atrai à base aliada a grande maioria dos partidos políticos: "Para eles, fora da base não há solução. Por isso há tanto adesismo".
No vídeo a seguir, acompanhe o debate deste quinta-feira em VEJA.com sobre o julgamento do mensalão:
12 de outubro de 2012
Gabriel Castro - Veja Online
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