Espanha: suicídios de pessoas que perdem suas casas por falta de pagamento tornam agudo o drama e levam a reunião de emergência governo-oposição. 523 famílias são desalojadas por dia
Quando chegaram os oficiais de Justiça e alguns policiais para comunicar que, por falta de pagamento da hipoteca de seu apartamento, ela seria desalojada de seu imóvel, Amaia Egoña, 53 anos de idade, chefe de recursos humanos de uma empresa de transportes em Barakaldo, no País Basco, e ex-vereadora socialista, subiu a uma cadeira e se atirou pela janela do quarto andar.
Em duas semanas, a tragédia das mais de 400 mil famílias que perderam sua casa por falta de pagamento na Espanha desde 2006 abrangia o segundo suícídio — o outro foi o de um homem em Granada, na Andaluzia, que se enforcou –, sem contar uma tentativa frustrada de outro homem em Valência.
Imersa em brutal crise econômica desde 2008, às voltas agora com uma crise institucional — o governo nacionalista da Catalunha caminha para as eleições regionais do próximo dia 25 com o firme propósito de declarar a independência –, a Espanha vive sobretudo uma crise social cuja face mais dramática, mais ainda do que o desemprego, que atinge um em cada quatro trabalhadores, é o das famílias que perdem suas casas.
Esse quadro levou à reunião que devem realizar nesta segunda, 12, dirigentes do Partido Popular, do governo, e do Partido Socialista Operário Espanhol, o principal da oposição, na busca de uma solução legal de emergência que preveja, pelo menos, uma moratória nas imissões de posse dos imóveis pelos bancos credores.
Uma nova lei deverá prever a “dação em pagamento” (a devolução do imóvel quita a dívida) mas, segundo a Constituição, não poderá retroagir para alterar contratos já em curso — e este é um enorme obstáculo à solução do drama que afeta a classe média baixa e a vasta classe média espanhola.
A situação é tal, são tantos os protestos de associações de moradores, a que se juntam vários outros setores, que associações de magistrados estão ameaçando parar por conta própria os processos de retomada dos imóveis, sem contar os policiais que, cada vaez mais, se recusam a participar do que na Espanha se denomina desahucios. Não raro, vizinhos e outros moradores resistem às autoridades em solidariedade aos atingidos, tentando evitar ou adiar o cumprimento da ordem judicial.
Desde 2008, 350 mil famílias viram evaporar-se o sonho da casa própria. Para o ano que vem, prevêem-se mais 250 mil desalojadas. Atualmente, são 523 retomadas de imóveis por dia, baseados numa lei espantosamente dura segundo a qual, diferentemente do que ocorre na maior parte dos países, a entrega da habitação financiada ao banco não liquida a dívida: as pessoas ficam sem teto e continuam com dívidas impagáveis.
(A União Europeia examina a lei, e porta-vozes, numa avaliação preliminar, consideram-na “abusiva”.) Nesta madrugada, um programa de TV trazia um caso típico: um casal com renda de 496 euros mensais (algo como 1.300 reais), três filhos e um imóvel adquirido por meio de um financiamento de 90 mil euros (238 mil reais) há cinco anos.
Sem condições de continuar pagando as prestações, eles perderão a casa e ficarão devendo não os 90 mil euros iniciais, mas, devido a juros, atualizações, impostos e outros encargos, 120 mil euros (318 mil reais), que não conseguirão quitar até o fim de suas vidas.
Não por acaso, os funerais de Amaia Egoña, neste final de semana, foram acompanhados por 10 mil pessoas — 10% da população inteira de Barakaldo.
12 de novembro de 2012
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