Candidata à reeleição e já em campanha aberta, a presidente Dilma Rousseff precisará de resultados muito melhores que os do último biênio, na economia, para cumprir a missão recebida de seu chefe, publicamente. A tarefa é levar adiante o projeto de poder de seu partido.
Para isso ela terá de conseguir mais que um ano de crescimento na faixa de 3% a 4%. Um resultado melhor que a humilhante expansão de 0,9% em 2012 é praticamente certo neste ano. Mas é pouco, depois de um crescimento acumulado de apenas 3,6% na primeira metade de seu mandado.
Além disso, até seus principais assessores devem ter notado um fato evidente para qualquer pessoa medianamente informada: a política centrada no estímulo ao consumo fracassou. Os gastos familiares cresceram pelo nono ano consecutivo, mas foram insuficientes, mesmo somados às despesas do governo, para promover o crescimento industrial.
A indústria de transformação, a melhor referência para se examinar o assunto, produziu 2,5% menos que em 2001. Ao mesmo tempo, os preços ao consumidor continuaram subindo velozmente. A inflação em 12 meses, 5,8%, ficou mais uma vez muito longe da meta, 4,5%.
Algo funciona mal nesse quadro e até em Brasília - no Palácio do Planalto e em suas vizinhanças - essa noção começou a difundir-se há algum tempo. Não adianta muito apoiar o consumo quando o problema principal está do lado da oferta.
E o lado da oferta, como devem saber até alguns membros do atual governo, só pode responder à demanda se houver capacidade produtiva e competitividade. Isso depende de vários fatores, incluído o investimento em capital fixo, As contas nacionais recém-divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmaram um cenário de desastre.
O valor investido nesses ativos foi 4% menor, em termos reais, que o do ano anterior. Além disso, o País só investiu o equivalente a 18,1% do produto interno bruto (PIB). No ano anterior havia investido 19,3%. As duas taxas são miseravelmente baixas. Mesmo na América Latina a formação bruta de capital fixo alcança 25% do PIB em vários países. Em economias da Ásia supera 30% e na China tem ficado na vizinhança de 40%.
O investimento tem sido especialmente fraco na infraestrutura. No setor rodoviário, mal tem sido suficiente para a manutenção de um sistema de baixa qualidade. De modo geral, é preciso fazer muito para ampliar e modernizar toda a área de transportes e para isso o governo lançou um programa de logística. A intenção é correta, mas prioridades e critérios são discutíveis e o planejamento, como tem sido normal há vários anos, continua muito abaixo das intenções.
A mesma observação vale para os demais componentes da infraestrutura. Não se pode atribuir a um simples capricho do mercado a desvalorização da Eletrobrás. Os investidores são capazes de reconhecer um desastre, como reconheceram no caso da Petrobrás, depredada por um intervencionismo desastroso.
Nada mais natural que a hesitação dos investidores, depois de uma longa e assustadora história de trapalhadas bem conhecidas. Não há como esquecer de um dia para outro a polêmica renovação das concessões do setor elétrico, a questão dos portos sujeitos a regimes e direitos diferentes e os danos causados à Petrobrás por uma gestão politizada.
Pode-se alongar a lista com a atuação discutível do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), empenhado na criação de "campeões nacionais", envolvido em maus investimentos e dedicado a ações de escasso ou nenhum valor estratégico.
Mas o governo precisa, no mínimo por interesse eleitoral, desencadear uma onda de investimentos e, de modo especial, promover a aplicação de grandes capitais em infraestrutura. Se o esforço der certo, o País terá condições de sair do atoleiro e ganhar impulso para crescer por alguns anos.
Para isso o governo anunciou um programa de US$ 235 bilhões para fortalecimento da infraestrutura e saiu em busca de interessados tanto no Brasil quanto no exterior. Na apresentação em Nova York, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve de ouvir perguntas sobre assuntos aparentemente estranhos ao programa: os investidores potenciais estavam interessados em temas como educação e formação de mão de obra, inflação e outros aspectos básicos da gestão pública.
O ministro e vários colegas de governo têm sido forçados a afirmar repetidamente um compromisso prioritário com o combate à inflação e com o controle das contas públicas. Por que haverá tantas dúvidas?
Confiança é um ativo precioso e é preciso mantê-lo tão cuidadosamente quanto os equipamentos de um avião. Mas o governo, embora pareça perceber o problema, insiste nas soluções mágicas e voluntaristas, numa reação tipicamente brasiliense. Conhecida há muito tempo como Ilha da Fantasia, um recanto feliz e distante da realidade nacional, Brasília pode tornar-se famosa também como Ilha do Tesouro.
A fantasia continua, porém agora turbinada pela imagem de um cofre maravilhoso, capaz de capitalizar mais uma vez o BNDES, adiantar receita a quem investir em ferrovias, transferir fundos para bancos financiarem a infraestrutura, socorrer distribuidoras de eletricidade, conceder mais desonerações a setores escolhidos e levar adiante o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Num ambiente mais prosaico, o governo proporia aos investidores planos coerentes e realistas, sem cometer, entre outras, a tolice de querer tabelar ideologicamente a taxa de retorno (em Nova York, o ministro Mantega tentou corrigir esse erro).
Ao mesmo tempo, venderia seriedade, comprometendo-se com a solidez macroeconômica, sem truques e maquiagens. Deixaria claro, por exemplo, o compromisso com a meta de inflação de 4,5%. Com base na fala de Mantega, quem poderia dizer se a meta é essa ou qualquer ponto entre 4,5% e 6,5%?
02 de março de 2013
Rolf Kuntz, O Estado de São Paulo
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