"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 23 de março de 2013

PODER GLOBAL E RELIGIÃO UNIVERSAL

    
          Artigos - Globalismo 
       
pgrisanahujaSanahuja deixa evidente nesta obra que há uma subversão silenciosa para concretizar um projeto de poder global, que se realiza impondo novos paradigmas éticos, especialmente aos países membros da ONU.


Na passagem para o 3º milênio, ao inaugurar o Grande Jubileu de 2000, o beato João Paulo II exortou os cristãos a confiarem na vereda de Cristo, lembrando a estreiteza da via que em uma história bimilenar foi capaz de vencer tantas sombras e perigos incontáveis, ameaças e perseguições, e tantas outras incompreensões e falsas interpretações, mas mesmo assim a luz fulgurante de Cristo chegou ao século 21 como um fato incontestável: “Entramos por esta Porta, que representa Cristo mesmo: com efeito, só Ele é o Salvador”. (1)
Esta verdade histórica chegou até nós, a geração pós-Concílio Vaticano II, mas está hoje (e novamente) atacada de modo intenso e sistêmico, por forças culturais, econômicas e políticas, no afã de impor uma nova ordem mundial, destituída das premissas cristãs, ordem imposta por diversas formas de manipulação, a pior de todas as violências. Uma nova ordem não apenas política, mas também religiosa, de uma religiosidade light, “sem dogmas, sem estruturas, sem hierarquias, sem morais rigorosas”, como afirma monsenhor Juan Claudio Sanahuja, em seu livro Poder Global e Religião Universal” (Editora Ecclesiae). Uma leitura imprescindível, pela análise de conjuntura de uma realidade pouco conhecida pelos próprios cristãos. Este novo Leviatã, explica Sanahuja,
“procura, por exemplo, a perversão dos menores, a anticoncepção, o aborto, a eutanásia, a investigação com embriões humanos, a injusta legitimação jurídica de casais do mesmo sexo, etc. A falsa espiritualidade da nova ordem procura ensinar às crianças desde os cinco anos, a normalidade da homossexualidade e da masturbação, e instrui-las no uso de preservativos e da pílula do dia seguinte, mentalizando-os de que o aborto é um direito, como propõe a UNESCO”.

Para defender Jesus Cristo, caminho, verdade e vida, o caminho não é fácil, nem seguro, recorda Sanahuja, na introdução do livro. Não foi mesmo fácil em nenhum momento ao longo da história. Afinal, quantas vezes o próprio Jesus teve de exortar os discípulos a não ter medo, mesmo quando a tempestade parece fazer o barco soçobrar. E completa:

“São muitos os poderosos inimigos que enfrentamos, sendo irremediável o sofrimento pela verdade, inevitável também a perseguição dos bons e a urgente necessidade do testemunho pessoal e social, individual e coletivo, que como cristãos nos são exigidos”.

Tais exigências (de discernimento, purificação e coerência de vida), no complexo contexto da atualidade, são expostas com objetividade e visão de conjunto por monsenhor Juan Claudio Sanahuja, na síntese que faz dos inúmeros desafios do momento histórico em vivemos, enquanto cristãos, especialmente católicos. Ele alerta: “A crise da Igreja é grave”.

Em "Poder Global e Religião Universal" delineiam-se os aspectos, a profundidade e a amplitude da atual crise, elucidando o processo e as estratégias de uma reengenharia social anticristã, em curso, visando minar a sã doutrina católica, descontruindo conceitos, para corroer, por dentro, as bases do edifício cristão, destituindo a Igreja de sua identidade e força.

“Estamos em tempos de perseguição - afirma Sanahuja - mas acima de toda consideração acomodatícia, a fidelidade a Jesus Cristo nos exige defender, promover, ensinar, transmitir as verdades imutáveis - os princípios inegociáveis - mas todos sabemos, leigos e clérigos, que esse caminho é humanamente inseguro, porque ao não aceitar os esquemas mentais politicamente corretos, recusamos ser incluídos na categoria de novo cidadão, segundo o que a Nova Ordem define como paradigma da nova cidadania”, e outros novos paradigmas éticos, especialmente o da reinterpretação dos direitos humanos, que com sua hermenêutica ideologizada dá origem a “uma inifinidade de pseudo-direitos ao serviço de políticas do projeto de domínio mundial”. Completam ainda o panorama deste processo os novos paradigmas religiosos, que geram a colonização das consciências. Visando um projeto de poder global, com um pensamento único, mudando a cultura e a religião dos povos, colonizando as consciências para conseguir cidadãos dóceis da nova ordem mundial”.

João Paulo II, gigante da fé, com profundo realismo, destacou num dos documentos mais importantes do Grande Jubileu, “nossa responsabilidade pelos males atuais” (2), salientando que “entre as sombras e em primeiro plano pode ser assinalado o fenômeno da negação de Deus em suas muitas formas”. (3) E explica:

“O que repercute particularmente é que essa negação, especialmente em seus aspectos mais teóricos, é um processo que surgiu no mundo ocidental. Ligada ao eclipse de Deus está uma série de fenômenos negativos, como a indiferença religiosa, a ausência difusa do senso do transcendente da vida humana, um clima de secularismo e de relativismo ético, a negação do direito da criança não-nascida à vida - às vezes sancionadas por legislações abortistas” (4), entre outros fatores. O fato é que “vivendo ‘como se Deus não existisse’, o homem perde o sentido não só do mistério de Deus, mas também do mistério do mundo, e do mistério do seu próprio ser”. (5)

Nesse sentido, cabe lembrar Joseph Ratzinger, em "Dominus Iesus", quando destacou que “o Reino diz respeito a todos: às pessoas, à sociedade, ao mundo inteiro. Trabalhar pelo Reino significa reconhecer e favorecer o dinamismo divino, que está presente na história humana e a transforma. Construir o Reino quer dizer trabalhar para a libertação do mal, sob todas as suas formas”. (6) Este é o sentido da história e que a Igreja faz parte, como via de salvação. “O mal tem poder através da liberdade do Homem e cria então as suas estruturas. Porque existem, manifestamente, estruturas do mal”. (7) De modo mais claro, Bento XVI exclamou: “como estamos todos na realidade presos pelas potências que de um modo anônimo nos manipulam”. (8) E ressalta: “O núcleo de toda a tentação (...) é colocar Deus de lado, o qual, junto às questões mais urgentes da nossa vida, aparece como algo secundário, se não mesmo supérfluo e incômodo”(9), pois as estruturas do mal visam “ordenar; construir um mundo de um modo autônomo, sem Deus; reconhecer como realidade apenas as realidades políticas e materiais e deixar de lado Deus, tendo-o como uma ilusão: aqui está a tentação que de muitas formas hoje nos ameaçam”. (10)

Sanahuja deixa evidente nesta obra que há uma subversão silenciosa para concretizar um projeto de poder global, que se realiza impondo novos paradigmas éticos, especialmente aos países membros da ONU. Para Hiroshi Nakajima, diretor geral da Organização Mundial da Saúde, “a ética judaico-cristã não poderá ser aplicada no futuro”. As forças ideológicas anticristãs atuam de modo sutil e sofisticado, especialmente no campo semântico: “mudar o significado e o conteúdo das palavras é uma estratégia para que a reengenharia social seja aceita por todos, sem protestar”, explica Sanahuja, por isso, “o significado da linguagem internacional muda continuamente”.

Os cristãos percebem uma “estranheza”, mas não conseguem de imediato constatar o que está acontecendo, e muitos então acabam fazendo o jogo do inimigo: crescem as divisões internas, os desentendimentos entre os fiéis, a evasão, os escapismos, a dispersão, etc. E também o desânimo e o ceticismo, e a adesão às soluções fáceis, aos apelos emocionalistas, ao conformismo e até ao indiferentismo. E então o que fazer? “Estamos outra vez perante um novo começo” (11), destacou Joseph Ratzinger. E reforça:
“a tarefa de crer inteiramente a partir da liberdade e na liberdade e de crer, dando testemunho contra um mundo exausto, também traz novas esperanças, novas possibilidades de uma expressão cristã. É precisamente uma era de um cristianismo quantitativamente reduzido que pode levar a uma nova vivacidade desse cristianismo mais consciente”. (12)

A Igreja - como sinal de contradição, vai se tornando “a Igreja de uma minoria”. (13) E é a esperança desse cristianismo mais consciente que vemos despontar na obra de Sanahuja, que não fica apenas no diagnóstico da situação, mas indica com clareza atitudes para o enfrentamento daquilo que nos ameaça, para evitar ambiguidades e tibiezas, a fragilização da fé transformada em apostasia.

A leitura deste livro, portanto, elucida questões importantes para a vida dos cristãos do nosso tempo, permitindo uma melhor compreensão não apenas do turbilhão de desafios a nossa frente, bem como um entendimento cada vez mais agudo do mistério da Igreja no mundo, a partir da missão a ela confiada por Jesus Cristo. A Igreja poderá combalir e ficar até extenuada, mas é promessa de Nosso Senhor que as portas do inferno não prevalecerão sobre ela. Mas tudo isso exige de nós vigilância, discernimento e fé operante. Refutando Nakajima, temos a convicção de que "a fé cristã tem muito mais futuro do que as ideologias que a convidam para abolir-se de si mesma". (14)

 
Notas:


1. http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/homilies/1999/documents/hf_jp-ii_hom_25121999_po.html

2. Comissão Teológica Internacional, Memória e Reconciliação - A Igreja e as culpas do passado, p. 53, Ediçoes Loyola, São Paulo, 2000.

3; Ibidem.

4. Ibidem.

5. Evangelium Vitae, 22.

6. Dominus Iesus, 19 (http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000806_dominus-iesus_po.html)

7. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra - O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro milênio - Um Diálogo com Peter Seewald, p. 176, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.

8. Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré, v. 1, p. 35, 3ª reimpressão, Editora Planeta do Brasil, São Paulo, 2008.)

9. Ibidem.

10. Ib. p. 41.

11. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra - O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro milênio - Um Diálogo com Peter Seewald, p. 212, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.

12. Ibidem.

13. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra - O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro milênio - Um Diálogo com Peter Seewald, p. 209, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.

14. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra - O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro milênio - Um Diálogo com Peter Seewald, p. 205, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1997.
23 de março de 2013 
Hermes Rodrigues Nery é coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté. Especialista em Bioética, é pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

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