O que é circunstancial e o que é estrutural. Ou: Sem confronto de valores, não há oposição possível. Ou ainda: boa notícia para Eduardo Campos
Ai, ai… Vocês são testemunhas das muitas vezes em que chamei aqui a atenção para o fato de que, tudo o mais constante no terreno oposicionista (ironia: por enquanto, o que não é constante só piora!), Dilma tem tudo para se eleger no primeiro turno em 2014, feito que nem Lula conseguiu nas duas jornadas em que venceu.
Certamente o PT atuou para que assim fosse, gostemos ou não. Mas convenham: é uma obra construída com a ajuda da oposição. Sua ruindade na esfera federal se traduz em votos… para o governo, certo? A esperança, hoje, vejam que coisa, chama-se Eduardo Campos, governador de Pernambuco (PSB).
Em certa medida, está em suas mãos, e no eventual crescimento de sua candidatura, Dilma ter de disputar ou não o segundo turno. Sim, caros, há elementos inerentes à própria narrativa, que independem de armações e circunstâncias, que explicam esse resultado. Mas é claro que há também, como chamarei?, um buliçoso movimento dos espertos. Falemos um pouco das espertezas. Depois volto às questões de fundo.
As circunstâncias
Dilma apareceu na TV no dia 8 de março — Dia Internacional da Mulher — para anunciar a desoneração dos produtos da cesta básica. Pouco antes, havia feito o anúncio, batendo bumbo, da redução da tarifa de energia. Naquele mesmo dia 8, o Ibope havia começado a colher os dados sobre a sua popularidade, que prosseguiu, segundo o instituto, nos dias 9 e 10 — os dados só seriam anunciados dez dias depois, a 19 de março.
Assim, com o noticiário, inclusive o da TV, tomado pela tal desoneração, com direito a pronunciamento oficial, o Ibope foi a campo: “O que você acha de Dilma?” O resultado foi aquele que se viu. Nem poderia ser diferente. Sua popularidade havia, é evidente, crescido. Na quarta e na quinta, 20 e 21 de março, os números recordes da presidente ganharam grande destaque: para 63%, o governo é ótimo ou bom; 79% aprovam seu jeito de governar.
Também nesta quarta e quinta, enquanto a imprensa e as redes sociais estavam inundadas com essas notícias, aí foi a vez de o Datafolha fazer a sua pesquisa, esta de intenção de voto. Bidu! Dilma cresceu de 54% em dezembro para 58% agora; Marina e Aécio oscilaram dois pontos para baixo — 16% ela, apenas 10% ele.
Quem oscilou dois para cima foi Eduardo Campos, que aparece com 6%. Ah, sim: um dia antes de o Datafolha fazer suas entrevistas, a imprensa brasileira havia dado grande destaque ao encontro de Dilma com o papa Francisco. Como se sabe, ela deslocou a Corte de Dario para Roma, gastando mais ou menos meio milhão de reais em três dias. Quem se importa?
Falta coisa. O Ibope, que, segundo afirmou, foi a campo entre 8 e 10 para fazer a avaliação de Dilma para a CNI, voltou às ruas, nesse clima de oba-oba, entre os dias 14 e 18, aí a serviço do Estadão, que também publica neste sábado uma pesquisa. Instituto e jornal decidiram ir mais longe, medindo o que chamam potencial de voto.
Se a Folha chama a atenção para os 58% de intenção de voto em Dilma, o Estado prefere um número ainda mais vistoso: o potencial de voto da petista seria de 76%, que é a soma dos 52% que dizem votar nela com certeza mais os 24% que afirmam que poderiam fazê-lo.
Levando a sério esse negócio de “potencial de voto”, os possíveis adversários deveriam retirar suas respectivas candidaturas e dar a vitória a Dilma por WO. Afinal, só ela tem saldo positivo, de 56 pontos: 76% votariam ou poderiam votar, contra 20% que não fariam isso de jeito nenhum. Marina tem saldo zero: 40% votariam ou poderiam votar, contra outros 40% que a rejeitam (estou nesse grupo!).
O de Aécio é negativo em 11 pontos (25% a 36%); o de Campos, em 25 (10% a 35%). Mas há aí uma questão: 39% dizem desconhecer o mineiro; outros 54% não sabem quem é o pernambucano.
O truque
O PSDB caiu no truque de Lula — e apontei isso aqui à época. Quando ele decidiu antecipar a campanha eleitoral, chamando o PSDB para a briga, ele o fez de olho no calendário e na agenda do governo.
Como se começou a discutir a sucessão com quase dois anos de antecedência, os eventos políticos passam a girar em torno desse eixo. Dado que o governo está com a iniciativa, é claro que tudo conspiraria em favor de Dilma. Nota à margem (já volto aqui): embora Campos tenha rejeitado a campanha precoce, ele acabou se beneficiando desse processo, um efeito certamente indesejado pelo petismo, mas inevitável.
É claro que foi um erro o PSDB ter aceitado os termos do confronto proposto por Lula. Não foi falta de aviso. O governo tinha a faca e o queijo — sem qualquer alusão a Minas, eu juro! — na mão.
Eis aí. Aécio não pode reclamar de falta de generosidade do noticiário, que lhe garantiu bastante espaço. Apareceu como o candidato certo do PSDB à Presidência, como presidente já nomeado do partido; como adversário preferencial de Dilma, para responder a isso e àquilo. Há três meses, no Datafolha, tinha 12%; agora, está com 10%. Sigamos.
O que não é apenas circunstância
Há circunstâncias, sim — algumas matreiras, outras malandras —, que explicam o fantástico desempenho de Dilma. Mas há também elementos constitutivos da realidade política. Todas as dificuldades e irresoluções do governo e do país — inflação acima da meta, baixo crescimento, investimento pífio — não chegaram à população.
A economia ainda ancorada no consumo sustenta a fantasia de um Brasil que resolveu todos os seus problemas. E olhem que não faltam dificuldades, como a pior seca do Nordeste nos últimos 40 anos (a popularidade de Dilma voltou a crescer na região, diz o Ibope), a encalacrada da Petrobras, um serviço de saúde miserável, a infraestrutura capenga (vejam aquela estúpida e inacreditável fila de caminhões nas estradas rumo ao Porto de Santos)… De A a Z, dá para escolher.
“Ah, mas o povo vive bem!” Ainda que isso fosse uma verdade absoluta — e ouso dizer que não é (mas não me estenderei agora sobre a tal “classe média” com renda per capita acima de R$ 300… é piada!) —, é evidente que sobraria espaço para a oposição, não é? Não fosse assim, governos bem-sucedidos, mundo afora, sempre se reelegeriam ou fariam seus respectivos sucessores, o que absolutamente não é verdade. É claro que isso facilita enormemente a tarefa, mas não determina.
O principal problema da oposição no Brasil é não ter construído, ao longo dos anos, uma agenda e uma cultura. Não há valores alternativos aos do petismo. Isso, sim, é dramático. Nas vezes em que se ensaiou algo parecido, o PSDB fugiu como o diabo foge da cruz, com receio de ser considerado um partido conservador.
E, na contramão do quase consenso estúpido da crônica política, sustento: é a ausência de uma visão conservadora sólida, organizada — que, obviamente, também pode estar voltada para o social —, que torna tão singular a política no Brasil.
Digam uma única democracia, uma só, além da nossa, em que todas as alternativas de poder, mesmo as remotas, sejam de centro-esquerda. Vejam que curioso: os petistas vivem acusando o PSDB de ser de direita, e os tucanos vivem tentando provar para os petistas que isso é mentira. São reféns de uma invenção do adversário.
Na última edição da VEJA DE 2010, escrevi um longo artigo sobre os caminhos e descaminhos da oposição. Dilma tinha acabado de vencer a eleição. Não mudei de ideia. Sem promover, de forma permanente, um confronto de valores — uma guerra mesmo! —, será muito difícil a oposição sair do lugar. Corre o risco é de se anular como alternativa de poder, não existindo senão como expressões regionais de poder.
Eduardo Campos
É cedo, mas parece que o nome do Eduardo Campos, dada a sua presença relativamente discreta na imprensa nacional, está além dos que esperavam petistas, tucanos e ele próprio: no Datafolha, 6%; no Ibope-Estadão, 10% dizem que votariam ou poderiam votar nele. Aécio está com 10% no Datafolha e é tratado como presidenciável desde 2006 — para quem tem boa memória, desde 2002 ele já se apresenta nessa condição.
Atenção para isto: Minas tinha, no ano passado, pouco mais de 15 milhões de eleitores (15.019.136); Pernambuco, menos da metade: nem 6,5 milhões (6.494.122). Se todos votassem, Aécio poderia ter, então, 13,85 milhões de votos (10% dos 138.544.348 que compõem o eleitorado brasileiro), um número inferior ao de eleitores mineiros, e Campos, 8,31 milhões, um número bem superior ao de eleitores pernambucanos. “Tá louco, Reinaldo? Nem todos votam! A abstenção é enorme; há os brancos, os nulos…” Eu sei. Mas isso não muda a proporção, já que nem todos votam no Brasil, em Minas e em Pernambuco. Será que fui claro?
Para encerrar
É ainda muito cedo. Não há campanha eleitoral, nada! A presença de Dilma na imprensa, especialmente na TV, é infinitamente maior do que a dos adversários. É esmagadora. De quanto tempo disporá Aécio se for mesmo candidato? Fará qual abordagem? Qual será seu discurso?
E Campos? Conseguirá se viabilizar? Seu caminho está mais ou menos traçado se candidato for: dirá que todos os governos até agora fizeram coisas boas, especialmente os do PT, mas falta muita coisa, é preciso ousar mais. Fará, digamos, a crítica construtiva. Isso forçará o candidato tucano a uma fala mais claramente de oposição?
E Marina? Caso viabilize mesmo seu partido, acho que pode ficar por aí mesmo, entre os 16% e os 20% (dos válidos), o que já é fabuloso. Em 2010, obteve 19,6 milhões de votos. Quando penso que quase 20 milhões julgam entender o que ela fala, eu me dou conta da fantástica diversidade humana.
23 de março de 2013
Reinaldo Azevedo
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