Se a presidente Dilma quer ganhar a eleição de 2014 precisa olhar para 2013. Nos últimos dias, seus olhos estiveram em vários anos diferentes, menos no que está diante de nós para ser vivido e construído. Olhou para 2003 e não viu o cadastro que o governo recebeu, que, aperfeiçoado, foi a base do Bolsa Família. Olhou para o período entre 1994 e 2002 e não viu a vitória sobre a hiperinflação.
É uma pena que não tenha visto o que já foi feito, porque há muito a fazer. Uma das tarefas imediatas é passar para os empresários estrangeiros, que estão sendo visitados pelas autoridades brasileiras nestes dias, a convicção de que o governo tem um rumo e que não é apenas ganhar a eleição de 2014.
Se a presidente Dilma e seus enviados afirmarem aos investidores que nada havia antes de 2003, que o Brasil era uma terra arrasada, e que tudo foi construído pelo PT, eles vão estranhar. Todos já sabem o básico sobre as evoluções das últimas duas décadas no Brasil.
A dívida externa contraída pelos militares foi renegociada. Todos os velhos papéis foram trocados por outros com novos prazos e preços sob o comando do negociador Pedro Malan. Isso permitiu ao país voltar ao mercado financeiro internacional.
A inflação que atingiu dois dígitos no começo dos anos 1940, continuou sua escalada e fugiu ao controle nos anos 1980 e 1990. Só foi domada com o Plano Real, mas antes dele passos importantes foram dados em governos diferentes, todos democratas, para derrotar esse mal que perseguiu o Brasil.
Foi uma construção coletiva e uma escolha do país, mas nesse processo de vitória sobre a inflação é inegável o papel dos ex-presidentes Fernando Henrique e Itamar Franco. É também inegável que o PT se opôs ao projeto até que, no governo, o herdou e preservou.
Os investidores desse mundo interconectado têm mais informação sobre o Brasil do que tinham no passado — quando confundiam Brasília com Buenos Aires. Eles achariam estranhíssima a frase de que “não herdamos nada, construímos tudo”.
Após a queda da inflação é que o Brasil passou a ser levado a sério. Antes, era motivo de chacota. Mas o Plano Real não foi um fim. Ele se dispôs para o país no meio do caminho. Foi preciso desmontar uma parafernália fiscal recebida de herança dos governos militares para levar o país à Lei de Responsabilidade Fiscal. Isso também foi construído antes do PT e com a sua oposição.
Na energia, o governo do PSDB passou pelo fiasco do apagão. Para consertar o que fez, montou um sistema de termelétricas para ser acionado quando fosse o caso de poupar água nos reservatórios. Não é o ideal, mas é o que está sendo usado este ano para superar o risco criado pela enorme queda do nível de água.
A presidente disse que quem falou em falta de energia estava criando instabilidade. Foi por não se falar do perigo a tempo que houve o apagão. Os alertas são necessários, no governo e fora dele.
Em dezembro, o nível dos reservatórios chegou a 28% na região Sudeste e a 32% no Nordeste, as duas regiões que representam 88% da capacidade instalada. Depois de toda a chuvarada, estão em 45% e 41%, respectivamente. Isso é muito menos que o percentual do mesmo mês de 2012: 80% e 85%.
Por isso, o governo decidiu continuar usando as termelétricas, que custarão mais de R$ 6 bilhões este ano se ficarem ligadas até dezembro. Esse valor só não anulará o efeito da redução do preço da energia porque o governo está construindo uma engenharia financeira que transferirá o custo para o Tesouro.
Em vários dos avanços brasileiros há continuidade. Cada partido tem que marcar as diferenças no discurso que levará para o palanque, mas nas falas recentes da presidente certas afirmações não correspondem aos fatos. Esse cacoete era do ex-presidente Lula. Não é necessário no palanque de 2014. Melhor base o palanque terá se a presidente encarar 2013 e seus desafios.
03 de março de 2013
Míriam Leitão, O Globo
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