"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 21 de maio de 2013

CORAGEM E RISCO


Um velho ditado que acabei de inventar afirma que alianças políticas podem ser sólidas durante muito tempo — mas costumam enfrentar sérios riscos quando se aproximam temporadas eleitorais.
Faz sentido: alianças baseadas em parentesco ideológico podem ser sólidas na defesa de projetos e programas de governo em que as ideias e os projetos são comuns, mas correm sérios riscos quando o aliado de ontem ameaça apossar-se dos votos de amanhã.

Por exemplo, no ano que vem teremos eleições — inclusive para presidente da República — o que inevitavelmente produzirá motivos de atrito entre o Palácio do Planalto e seus aliados no Congresso. Isto é, entre o PT e o seu mais forte aliado no Congresso, o PMDB.

Segundo o pessoal que entende de coisas políticas, os peemedebistas começam a sentir um processo de desgaste, sinônimo de uma perda de influência que pode influir bastante — talvez, até decisivamente — nas urnas de 2014.

Em circunstâncias normais, se é que isso existe em Brasília — a mais que provável reeleição da presidente seria motivo suficiente para garantir a fidelidade dos peemedebistas. Mas nada é tão simples assim.

Mas no principal partido da base aliada cresce a desconfiança de que o PT começa a se afastar do PMDB. Outro dia, deputados petistas afirmaram que o presidente da Câmara, o peemedebista Henrique Eduardo Alves, estaria ajudando — não se especificou de que maneira — a oposição.

Isso obviamente ameaçaria a reeleição de um número não especificado de representantes do seu próprio partido; a acusação é, portanto, bastante séria — mesmo que ninguém tenha explicado, nem mesmo como palpite, qual seria o motivo da traição.

Os queixosos têm duas acusações sérias: uma seria de que o governo não tem liberado emendas parlamentares incluídas no Orçamento da União. Como a grande maioria delas é destinada a fortalecer as bases eleitorais de deputados e senadores, entende-se a indignação.

O leitor pode tomar nota desse fato para usá-lo na próxima escolha de seu candidato a uma cadeira no Congresso.

A segunda denúncia é a de que Dilma decidiu estabelecer relações diretas com os municípios, dispensando a intermediação de deputados e senadores. Exceto os do PT. São queixas sérias — e é uma pena que nenhuma delas tenha relação direta com o interesse público.

A rebelião dos aliados é mais forte na Câmara do que no Senado. Uma das razões para isso é o fato de que só um terço da Casa terá de se reeleger no ano que vem. A presidente tem uma decisão a tomar. Ou continua a dar razões de queixa aos deputados, ou recua para garantir apoio parlamentar nas próximas eleições.

É possível, ou quase certo, que a turma que traça estratégias políticas no Palácio do Planalto tenha decidido que é mais importante ir diretamente ao eleitorado para garantir uma vitória no ano que vem.

É bastante provável que, discretamente, tenha realizado pesquisas que assegurem um êxito eleitoral suficiente para não dar ouvidos às queixas e lamentos do Congresso. Se não tomou essa providência, sua coragem merece elogios — mesmo que a estratégia seja bastante perigosa.

21 de maio de 2013
Luiz Garcia, O Globo

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