Os difíceis anos 90
Olá amigos! Neste post vamos falar dos complicados anos 90, mais precisamente do período compreendido entre 1989, que marca a derrocada do comunismo e a conseqüente hegemonia norte-americana como única super-potência, e 2001, ano que marca o início do fim da hegemonia do império norte-americano. Entre os países periféricos, a década marca também o processo de reformas das economias, principalmente na América Latina e nos países do leste europeu. Tudo isso em meio a um cenário turbulento de crises entre os emergentes.
Uma era de transição
Como vimos nos posts anteriores desta série, o final dos anos 70 e início dos anos 80 ficou conhecido por uma combinação inusitada de estagnação e inflação. A partir de 1983 a economia mundial dá sinais de melhora e inicia uma recuperação que dura até 1988. A partir de 1989, a economia mundial começa a perder força gradativamente, culminando em 1991 com a terceira pior média de crescimento desde o fim da II Guerra Mundial (perdendo apenas para os anos de 1982 e 2009).
O novo período de recessão global tem início com a derrocada do bloco socialista, o qual leva as economias pós-comunistas a quedas sucessivas até meados da década de 90, processo este que leva os países do antigo bloco comunista a encolher em média 40% do seus PIBs.
No terceiro mundo, a situação fica ainda mais complicada com uma nova e fatídica combinação de hiperinflação e estagnação, quadro este que levou o FMI a patrocinar o Consenso de Washington, em busca de soluções para o cenário cada vez mais instável da América Latina e dos países pós-comunistas (ver o post 9).
Em 1990, a situação complica ainda mais com uma nova crise do petróleo, deflagrada com primeira Guerra do Golfo, iniciada com a invasão do Iraque ao Kuait e finalizada com invasão norte-americana ao Iraque, o que elevou o preço do petróleo a níveis preocupantes.
Os efeitos das reformas nas economias pós-comunistas se estendem pelos anos seguintes, piorando ainda mais com o surto de guerras civis que varreu o leste europeu, principalmente com o esfacelamento da Iugoslávia, do qual resultaram as novas repúblicas da Sérvia, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia, Kosovo e Montenegro. Aliás, a década de 90 fica marcada também como uma das mais sangrentas do século, pois além do genocídio da Bósnia, em 1995, ocorreram também genocídios na Chechênia, 1999, no Kosovo, durante toda a década, e em algumas nações africanas, entre os quais o mais notório em Ruanda.
Em meio a todo este caos, os EUA pairam como a única superpotência, alimentando as teorias conspiracionistas de que os “maçons” norte-americanos teriam dado um grande passo rumo a um orquestrado processo de globalização que levaria o mundo a um “governo mundial”, o principal objetivo da famosa “Nova Ordem Mundial” (sobre este assunto falaremos num post específico).
A Alemanha, depois da euforia inicial da reunificação, passa por um momento turbulento, encontrando dificuldades para incorporar a massa de desempregados da antiga Alemanha Oriental. O Japão, cujo crescimento havia desacelerado durante toda a década de 80, entra na mesma fase de estagnação econômica que havia acometido a Europa desde o final dos anos 70. Aliás, uma estagnação que dura até os dias atuais.
Alheios a todo este caos, os asiáticos caminham a passos largos para mudar a geografia econômica e política mundial que viria a ficar mais evidente na década seguinte. Na “crista da onda”, os Tigres Asiáticos despontavam como os novos ricos.
Mas nem mesmo as pujantes economias asiáticas estavam imunes às instabilidades dos anos 90. Em 1997, os asiáticos também se tornaram foco de uma importante crise, irradiada para diversos outros países. Sobre este assunto falaremos adiante, pois antes vamos falar um pouco das reformas no Brasil e na América Latina neste caótico contexto.
As reformas nos países do terceiro mundo
A América Latina inicia a década de 90 com o grande desafio de derrotar a hiperinflação e criar as condições para um crescimento sustentável num mundo cada vez mais competitivo. Após vários planos econômicos fracassados, as experiências nas diversas tentativas de estabilização em diversos países foram se somando. Se ninguém tinha uma fórmula pronta para acabar com a inflação, pelo menos ficava evidente a cada novo fracasso “o que não deveria ser feito”, como por exemplo, as tentativas de congelamento de preços do Plano Cruzado do governo Sarney.
Mesmo os exemplos mais bem sucedidos como o do Chile e do México apresentaram efeitos colaterais. O Chile, apesar de ser considerado o “Tigre da América Latina”, sofreu as conseqüências da valorização do câmbio resultante de seu processo de estabilização, ainda no início da década de 80, recuperou-se a partir de 1984 e voltou a entrar em recessão no início dos anos 90. O México, que parecia que estava no caminho certo, mais uma vez torna-se o foco de uma crise entre os emergentes, em 1995, vítima de um crescente déficit nas contas externas, semelhante ao que sofremos hoje.
No Brasil, a década de 90 inicia com uma inflação de mais de 80% ao mês. Aliás, entre 1980 a 1995, segundo a Fundação Getúlio Vargas, a inflação acumulada foi de 8.071.420.072.698%! A situação chegou a tal ponto que as pessoas apressavam-se a comprar produtos de manhã, porque à tarde os produtos poderiam ter seus preços reajustados. Mais que uma inércia inflacionária, havia na sociedade brasileira uma “cultura inflacionária”.
Após o trágico mandato de cinco anos de Sarney, Collor assume com a promessa de acabar com a inflação e modernizar nossa economia. Falhou no primeiro objetivo e errou no ritmo de abertura da nossa economia, o que provocou a quebra de muitas empresas brasileiras, mais desemprego e novamente a perversa mistura de inflação e estagnação. Apesar do estrago, as empresas brasileiras que sobreviveram ao cenário amplamente desfavorável, conseguiram uma relativa competitividade, essencial para o novo mundo globalizado.
Foi então que ocorreu a maior conquista brasileira desde a redemocratização: o controle da inflação. O Plano Real, implantado em 1994 no governo Itamar Franco, não foi apenas mais um plano como tantos outros (alguns bem sucedidos) implantados na América Latina. Ele trazia inovações. Não foi um plano implantando da noite para o dia, mas teve um longo período de transição, até a troca final da moeda.
Sabendo que os processos de estabilização levavam a um desequilíbrio fiscal, uma vez que as receitas são indexadas, e as despesas não, os criadores do Plano Real (mesmo antes de sua implantação) criaram o Fundo Social de Emergência, o qual se tornou possível a partir da desvinculação de 20% das receitas do governo, retirando as amarras constitucionais que alimentavam a inércia inflacionária.
Mas a maior sacada do Plano Real foi a implantação da URV (Unidade Real de Valor), que permitiu a variação de preços (que variavam conforme o dólar) sem, no entanto, dolarizar a moeda, algo que já havia sido tentado por vários outros países (inclusive a Argentina de Carlos Menen), porém com graves conseqüências nos anos posteriores.
Apesar disso, o Brasil ainda assim sofreu com os problemas cambiais comuns aos processos de estabilização. Aos poucos, o Real foi se valorizando em relação ao dólar, exigindo do governo a mudança do câmbio fixo para o flutuante. Para a oposição, a razão para a demora era apenas eleitoral. Para os governistas, a relutância tinha a ver com o medo de que a inflação voltasse a acelerar com a mudança, ainda mais a partir de 1997, quando estourou a Crise da Asiática, que provocou mais pressão sobre o dólar e tornou o ambiente mais instável. Vale salientar que a origem da crise foi justamente a decisão do governo tailandês de tornar o câmbio flutuante.
Apesar da necessidade comum de mudança de regime cambial, a realidade tailandesa era bem diferente da brasileira, pois enquanto nosso Real estava sobrevalorizado em relação ao dólar, na Tailândia a situação era inversa. Ou seja, o nosso problema trazia um desafio a mais, pois a mudança do regime cambial teria um forte impacto inflacionário, o qual poderia levar ao fracasso mais uma tentativa de estabilização da nossa economia.
Para complicar ainda mais a situação, a crise asiática provocou uma forte queda nos preços das commodities e reduziram o crédito externo, essencial para manter o nosso frágil equilíbrio.
No dia mais agudo da crise, no dia 23 de outubro de 1997, a Bolsa de Hong Kong caiu 10,4%, derrubando todos os mercados do mundo. A Bovespa apresentou queda de 8,15%, a segunda maior em todo o mundo. O Brasil era a bola da vez.
Foi neste contexto que ocorreram as privatizações, pois os dólares arrecadados serviram para dar o fôlego necessário para o país atravessar os dois anos mais agudos da sequencia de crises iniciada na Tailândia, que se espalhou pela Filipinas, Malásia, Indonésia, Coréia do Sul e finalmente chegou ao Japão.
E quando finalmente o a crise asiática parecia ter passado a fase mais aguda, dois meses antes das eleições de 1998 estoura a crise Russa, também deflagrada com a desvalorização do Rublo, forçando o governo a aumentar ainda mais a taxa Selic para evitar a debandada de investidores.
A esta altura os recursos obtidos com as privatizações já haviam sido torrados nos esforços de segurar o câmbio, e não restava outra alternativa ao governo ao não ser desvalorizar o Real. O governo segurou então o quanto pode até a realização das eleições quando, finalmente, mudou o regime cambial semi-fixo para o flutuante.
A mudança deu um novo fôlego para a economia brasileira, mas o cenário externo ainda causava preocupação. Já em abril de 2000 ocorre o quebra da Nasdaq, com reflexos imediatos sobre as demais bolsas e até na aviação.
Paralelamente, a Argentina que já se arrastava desde o início da série de crises, piorava seus índices econômicos até o novo colapso no final de 2001, com graves reflexos sobre nossa economia.
Para completar o quadro caótico de 2001, ocorre nos EUA o escândalo da Enro, uma gigante norte-americana da área de eletricidade e telecomunicações que empregava mais de 21 mil funcionários. Assim como no crash da Nasdaq, que trouxe para a realidade os valores fictícios das empresas “.com”, a crise da Enro, que também arrastou a Arthur Andersen, teve como origem malabarismos contábeis que faziam a empresa esconder dívidas e parecer mais saudável do que realmente era, um prenúncio da crise de 2008.
Mas o fato mais importante do ano e da década aconteceu dois meses antes da crise da Enro: o 11 de setembro, o acontecimento que marcou o início da decadência norte-americana, mas que protelou ainda mais a retomada do crescimento sustentável da nossa economia.
Felizmente não só o Brasil, mas a maioria dos países latino-americanos e pós-comunistas conquistaram a estabilidade econômica e entraram na nova década com boas perspectivas. A ausência de crises entre 2002 e meados de 2008 criou um boom de crescimento mundial concentrado entre os países emergentes, o que elevou as médias de crescimento mundial a patamares semelhantes aos anos 70.
No próximo post, vamos falar sobre a ascensão do dragão chinês, dos BRICs no novo cenário mundial.
Amilton Aquino
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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