"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 19 de novembro de 2011

NOTAS POLÍTICAS

O mundo transformado no Monte Sagrado

No ano 494 AC, o povo trabalhador de Roma abandonou a cidade. Eram os plebeus, que com suas famílias marcharam 20 quilômetros e foram acampar no Monte Sagrado. Tratava-se da multidão que fazia funcionar o futuro império mundial e havia chegado ao limite da exaustão, submetida às maiores degradações, explorada pelos patrícios. Mandaram dizer às elites da época e ao Senado que não mais lutariam por Roma, fornecendo soldados. Nem voltariam ao trabalho.

Protestavam contra o tratamento indigno recebido de seus credores: eram presos, escravizados e até assassinados por dívidas, recebendo cada vez menos pelas tarefas executadas. Os senadores tentaram de tudo para fazê-los voltar. Apelaram para a religião e a diplomacia, mas os rebeldes não recuaram. O risco, para os patrícios, envolvia a possibilidade de a rebelião passar para dentro das muralhas e riscar Roma do mapa, agora que os romanos vinham conquistando cidades e reinos vizinhos. No fim, o Senado cedeu e as massas obtiveram a primeira vitória característica da luta de classes. Suas dividas foram canceladas, dois tribunos escolhidos para defender seus interesses, loteadas entre eles as terras conquistadas.

Distribuiu-se gratuitamente o trigo e, acima de tudo, as promessas das elites tiveram que abandonar a retórica. Foi aprovada a Lei das Doze Tábuas, por escrito, que por 900 anos tornou-se a lei básica de Roma.

Por que se lembra essa história? Porque o Monte Sagrado expandiu-se neste começo de século. Virou o mundo inteiro, ou quase. As massas assalariadas estão nas ruas da Europa e dos Estados Unidos. Rejeitam o modelo por tanto tempo imposto pelas minorias que controlam o sistema financeiro: nada de aumento de impostos, redução de salários e aposentadorias, demissões em massa, supressão de investimentos sociais, privatizações e demais iniciativas destinadas a manter as populações sustentando o pagamento das dívidas contraídas pelas nações.

Ironicamente, por conta de artifícios e malandragens praticados por essas mesmas minorias. A hora é de os patrícios se renderem. Se os trabalhadores negarem-se a continuar contribuindo com o modelo a eles imposto, como as elites se sustentarão? De que forma os bancos permanecerão faturando horrores se não tiverem mais quem pague pela sua exploração, ou ninguém para explorar e emprestar?

O Senado romano agiu premido pelas circunstâncias, mas com inteligência. Resta que caiam em si os sucessivos governos dispostos a tirar das massas as condições de preservação de seu poder. Ou que simplesmente caiam. Na Itália, da Grécia, na Irlanda, em Portugal, na Espanha, na França e agora nos Estados Unidos, o protesto é um só. Não haverá polícia que dê jeito, se a palavra de ordem for de cruzar os braços. De não colaboração. Fazer o quê? De início, ir para o Monte Sagrado. Depois, alguma coisa acontecerá, admitindo-se o grito de revolta do poeta popular: “não sei para onde vou, não sei por onde vou, não sei como vou! Só sei que não vou por aí!”

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INCÓGNITA

Não dá para entender a estratégia de Dilma Rousseff na questão Carlos Lupi. O ministro do Trabalho perdeu todas as condições de continuar ministro, importando menos se pegou carona no King-Air de um empresário com o qual tinha negócios pouco claros, se jantou na casa desse empresário ou até se mentiu, dizendo não conhecê-lo. A verdade é que sua permanência tornou-se inviável, mais até do que Antônio Palocci, Nelson Jobim, Pedro Novais, Alfredo Nascimento, Wagner Rossi e Orlando Silva.

Por que, então, a presidente insiste em mantê-lo? Para demonstrar que seu governo não é pautado pela mídia? Porque o ex-presidente Lula quer assim? Porque vai mudar parte do ministério em janeiro? Porque precisa dos votos do PDT no Congresso? O resultado é o desgaste expandindo-se do ministério do Trabalho para o palácio do Planalto.

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TERÁ SIDO O MINISTÉRIO?

Mais uma pérola falsa no colar que envolve o pescoço do ministro Carlos Lupi. Em seu mais recente depoimento, no Senado, atribuiu ao seu ministério a criação dos tais milhões de novos empregos e a inclusão de outros tantos milhões na classe média. Ora, a pasta do Trabalho terá contribuído, no máximo, com as novas carteiras profissionais distribuídas aos que estavam desempregados. O esforço para a melhoria de vida de tanta gente deveu-se ao governo Lula, como um todo, quer dizer, aos diversos ministérios, agencias oficiais, planos e programas sociais variados, sorte e muita propaganda. Centralizar o sucesso num único prédio da Esplanada dos Ministério é muita pretensão.

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REAPARECEU

Uma das novidades da semana foi o reaparecimento do ex-governador Ciro Gomes, depois de quase um ano na sombra. Membro do Partido Socialista, ele admitiu sua candidatura presidencial em 2014, mesmo reconhecendo o potencial do comandante do partido, o governador Eduardo Campos, capaz de ultrapassá-lo como a melhor opção, por enquanto. Ignora-se se Ciro Gomes transferiu outra vez seu título eleitoral, agora de São Paulo para o Ceará, caminho natural para quem pretende voltar ao palco. Porque esse elogio o ex-presidente Lula não merece, de ter feito o ex-candidato mudar do Nordeste para o Sudeste. Não deu certo.

Carlos Chagas

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