"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A SEXTA ECONOMIA DO MUNDO CRESCE À NOITE

Comprem, comprem, comprem – quem ganha é Miami. Desde que a Globo mergulhou de corpo e alma no espírito da Nova Classe C – a Classe Globo –, passeios ocasionais pelos telejornais da rede tornaram-se excelentes oportunidades para entender este neojornalismo informal, familiar, gracioso que se desenvolve ao longo do dia nas telas da Platinada.

A edição do Jornal Nacional da antevéspera do Natal (sexta, 23/12) transformou-se numa vitrine da nova estratégia administrada, como sempre, com a competência e a candidez do apresentador-editor-chefe William Bonner.

Como naquele horário as grandes cidades brasileiras já iniciavam o recesso natalino, e como já se pressentia que as vendas deste ano seriam decepcionantes, o mais importante noticioso noturno da TV aberta brasileira converteu-se em escancarada sessão de promoção de vendas.

Ao vivo, em rede nacional, porque a Globo não brinca em serviço: nos principais shoppings do país, as repórteres eram sucessivamente acionadas pelo âncora na bancada para entrevistar consumidoras, animá-las a gastar mais e, instigadas, até serviam como garotas-propaganda revelando o que compraram ou queriam comprar.

Ninguém se lembrou das diretrizes editoriais recentemente promulgadas nem do rígido Padrão Globo de Qualidade. O importante era manter rolando a bola de neve do consumo. Mesmo sabendo que a gastança de classe média brasileira na verdade está dirigida para as ofertas do paraíso comprista americano, conforme revelação dias antes do Wall Street Journal.

Receita do milagre

Quem está enchendo os 52 voos semanais da American Airlines que partem de cinco cidades brasileiras para Miami não é a Classe Globo. Esta faz percursos mais longos, cansativos e muito mais baratos, com escalas em Lima e Panamá, e não se hospeda em Miami – sai mais em conta ficar a uma ou duas horas de distância comprando nos outlets da periferia. No New York Times de quarta-feira (28/12), mais detalhes da febre consumista tupiniquim fabricada pelo real forte, o crédito fácil e os preços convidativos do comércio americano (ver tradução em "Miami abre portas para brasileiros que gastam", Estado de S.Paulo, 29/12).

O mais curioso é que o Grupo Globo tem o melhor time de jornalistas de economia, todos perfeitamente aptos a comprovar que o comprismo desabrido estimulado pelas autoridades brasileiras não cria empregos no Brasil, mas nos EUA.

Os absurdos preços praticados no Brasil têm uma única razão: temos ministros e ministérios da Indústria & Comércio mas não temos uma política para desonerar a produção e criar escala.

Os milagres econômicos alemão e japonês do pós-guerra não foram construídos pelo consumo, ao contrário, foram fruto da poupança. Isso, porém, não pode ser dito no Jornal Nacional, muito menos no Bom Dia, Brasil. Talvez só no Jornal da Globo. Enquanto William Waack lá estiver.

“Esse negócio vai acabar mal. Só não sabemos quando e onde”

A constatação acima foi publicada no Estado de S.Paulo no domingo (25/12), com grande destaque em página interna do caderno de Economia e tirada de uma longa e brilhante entrevista concedida por Luís Stuhlberger, gestor do Fundo Verde, um dos mais rentáveis do mercado financeiro, ao repórter Leandro Modé.

Pela primeira vez um grande operador do mercado financeiro (Credit Suisse Hedging-Griffo) tem a coragem de pensar em voz alta e exercitar plenamente sua capacidade reflexiva. Suas conclusões são graves, transcendentes. Não está ali para dar dicas sobre o mercado, mas para dizer que o modelo criado em seguida ao pós-guerra está se esgotando em escala global.

Admite um desastre no fim da estrada, mas confessa não saber o que acontecerá no meio do caminho. Pressente quem vai perder, mas não quem ganha. E por aí vai desfiando sabedoria e, sobretudo, perplexidade. Uma entrevista extraordinária considerando-se o que nela está dito ou implícito, considerando-se principalmente as qualificações de quem o diz.

O Estadão não a valorizou na capa. Ceticismo não vende. Assusta. O resto da mídia não lhe deu atenção, puro despeito.

A sexta economia do mundo cresce à noite – depois que as rotativas rodaram e enquanto as autoridades roncam.

Por Alberto Dines em 29/12/2011

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