"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

VERÍSSIMO SE ALEGRA COM NAUFRÁGIO DO CONCORDIA

Os marxistas, tanto os antigos como os atuais, sempre nutriram um secreto ódio pela Europa. O velho continente era uma resposta bem-sucedida às veleidades dos comunistas. Era e é. A União Soviética afundou e a Europa continua navegando firme pelos mares da História. Não foi por acaso que Marx e Engels escreveram na introdução do Manifesto: um fantasma ronda a Europa, o fantasma do comunismo. Rondava. Hoje o comunismo voltou à sua condição de fantasma.

Fala-se hoje em crise. Como eu escrevia há pouco, bem-vinda seja entre nós a crise européia. Entusiasmado com a notícia de que o Brasil desponta como a sexta economia do mundo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, andou dizendo mês passado que o país poderá demorar de dez a vinte anos para fazer com que o cidadão brasileiro tenha um padrão de vida semelhante ao europeu. Sem nada entender de economia, diria que isto é possível. Basta que a Europa continue empobrecendo nos próximos dez ou vinte anos. Aí o Brasil empata.

Para bom comunista, até o naufrágio do Costa Concordia é motivo de alegria. Escreve Luís Fernando Verissimo:

“Disseram do naufrágio do Titanic em 1912 que ele simbolizou o fim tardio do século 19, com sua fé na tecnologia e no domínio do homem sobre a natureza. Se aquele magnífico navio adernado na costa da Itália simboliza alguma coisa é o fim de outra ilusão que ninguém esperava fosse acabar: a união européia, o euro forte e os anos de euforia com o dinheiro farto. E ninguém viu as pedras”.

Há um discreto regozijo nestas palavras. Haja wishful thinking para imaginar que o acidente nas costas da Itália pode simbolizar o fim da união européia, do euro forte e dos anos de dinheiro farto. Houve acontecimento muito mais emblemático nos estertores do século passado, e não vi Verissimo algum com ele regozijar-se. Falo da queda do Muro, o segundo acontecimento mais significativo dos últimos cem anos. Naquele 09 de novembro de 1989, afundava uma tirania de sete décadas. A partir daquele dia, o colapso do comunismo era favas contadas. Quanto à Europa, por mais navios que adernem, ainda gozará de boa saúde por mais algumas décadas.

O que mais ameaça a Europa não é um acidente provocado pela irresponsabilidade de um comandante, mas fenômeno bem mais vasto e duradouro, a invasão muçulmana. As esquerdas, que odeiam a Europa, jamais denunciarão esta invasão. Pelo contrário, a apóiam. Se o comunismo não conseguiu destruir ou subjugar a cultura européia, esta tarefa é confiada aos imigrantes árabes e africanos.

Eu estava em Roma no dia 1º de janeiro de 2002, quando foi lançado o euro. Havia uma euforia generalizada no país e milhares de italianos fizeram fila diante das casas de câmbio, abertas até a meia-noite do 31, para pegar as primeiras cédulas. Os italianos não deploraram a morte da vecchia lireta, nem os espanhóis o passamento da peseta. Nem mesmo os gregos, que abandonavam uma moeda antiga de mais de dois mil anos, derramaram lágrimas pela dracma.

Na Finlândia, único país nórdico a aderir à nova moeda, os finlandeses fizeram fila junto aos bancos, naquele réveillon, sob 15 graus abaixo de zero, para trocar seus markkaa por euro. Na Alemanha, onde a transição foi imediata, sem prazo para circulação simultânea da moeda antiga e da nova, os ex-alemães orientais tiveram uma experiência de Terceiro Mundo. Em 91, haviam trocado o deutschmarx pelo deutschmark e, dez anos depois, trocavam este pelo euro.

Os escudos portugueses foram repousar junto aos ceitis, as pesetas junto aos maravedis, sem que ninguém lamentasse esta passagem para o passado. Na Via della Conciliazione, que dá acesso ao Vaticano, naquele 1º de janeiro já se viam sinais dos novos tempos. Quanto vale um anjo em euro? — perguntava-se uma vendedora de quinquilharias sagradas, puxando do bolso seu euroconvertitore.

A vida se tornou mais fácil no continente. Antes, a cada fronteira, você tinha de trocar dinheiro e fazer novos cálculos para determinar o preço dos serviços e mercadorias. As operações bancárias e o comércio se tornaram mais ágeis e instalou-se o que se convencionou chamar de euroforia. Isso apenas uma década após uma outra boa notícia, o desmoronamento do comunismo e o esfacelamento da União Soviética.

Maus dias para as esquerdas, que agora se assanham ante a crise européia e a perspectiva do fim do euro. O fato é que a Europa se expandiu demais, pulando de 12 para 27 países-membros e assumindo economias fracas. Até pode ser que alguns países saíam da eurozona. Mas o euro, para decepção das viúvas do Kremlin, continuará sendo a moeda predominante na maioria dos países da União Européia.

Verissimo prefere ver o símbolo da decadência da Europa no naufrágio de um transatlântico de luxo, um dos ícones do capitalismo, que deixou uma dúzia de cadáveres. Claro que jamais veria o símbolo da decadência do socialismo na explosão de Chernobyl, em 1986, que até 2005 havia deixado 56 mortes – 47 trabalhadores acidentados e nove crianças com câncer da tireóide – mais uma perspectiva de cerca de 4000 cadáveres futuros, com doenças relacionadas com o acidente. Tampouco viu símbolo algum de desastre na explosão do Kursk, que deixou 118 marinheiros sob as águas do mar de Barents.

Como também não vê o símbolo da decadência da África nas precárias pateras lotadas de miseráveis que enfrentam a morte e mesmo morrem, em busca de comida e trabalho no velho continente.
20 de janeiro de 2012
janer cristaldo

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