"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

PARA CRENTES, MEIAS E ORAÇÃO. PARA O JOELHO DO APÓSTOLO, A MELHOR MEDICINA DE PONTA

Se há algo que me irrita profundamente, é ver padres, pastores, freiras ou piedosas senhoras tentando levar consolo a pacientes de doenças graves. Uma pessoa doente normalmente está fragilizada e obviamente quer a companhia dos seus, e não a de estranhos. Quando minha mulher padecia no hospital, tive de correr do quarto essas almas generosas que sempre são signos de mau agouro. São abutres que só aparecem quando a hora da morte se aproxima. Se você está em um leito de hospital e um padre aparece, comece a preocupar-se. Ele sentiu o cheiro da morte.

Assim, é com satisfação que leio notícia sobre a resolução do Hospital Regional do Agreste (HRA), em Caruaru, Pernambuco, de proibir a partir desse mês que religiosos realizem pregações ou orações em grupo nas enfermarias e corredores da unidade. Se um padre já é um pé no saco, imagine uma chusma deles rezando nas enfermarias. Essa gentalha, com a arrogância de suas fés, não respeitam nem mesmo pessoas que estão morrendo. A impressão que me passam é que pretendem salvar alminhas renitentes em seus momentos finais, para aumentar seus créditos junto ao Altíssimo.

Aconteceu com minha mulher. Quando adoeceu, círculos de oração foram organizados no país todo. Deus a curará – diziam. “Estamos gastando nossos créditos junto ao Poderoso” – disse-me um casal católico. Ninguém mencionava o tratamento sofisticado, caro e doloroso, ao qual ela estava sendo submetida. Quando morreu, mudou o papo. A medicina falhou. Deus tinha outros planos para ela. Mas agora ela finalmente está sendo feliz.

Se agora estava sendo finalmente feliz, por que rezavam para que permanecesse nesta vida em que era infeliz? Enfim, pelo menos não rezaram no quarto do hospital. No velório, puseram seu sofrido corpo logo abaixo de um imenso Cristo crucificado e peladão. Tirem esse lixo daí – ordenei. Tiraram. Só o que faltava emprestar o cadáver da Baixinha para fazer propaganda do judeu aquele.

Se o paciente se cura, curou-se devido à intervenção divina, ao poder das orações. Se morre, foi falha da medicina. Segundo a direção do hospital de Caruaru, referência no atendimento no agreste de Pernambuco, a determinação atende às reclamações de pacientes e visitantes, que estariam incomodados com as constantes pregações feitas em voz alta durante as visitas nas enfermarias.

Em nota pública, disse o diretor do HRA, José Bezerra: “Sabemos que existem pacientes que necessitam de um apoio, de uma palavra de conforto, e encontram tudo isso na religião. No entanto, nem todos os religiosos que fazem as visitas têm essa intenção. Muitos, além de visitar o seu paciente, acabam chamando atenção dos outros - muitas vezes a contragosto, porque não são da mesma religião, para que escutem o que eles têm a dizer”.

Padres ou pastores deveriam ser proibidos de entrar em hospitais. Que façam seu proselitismo em seus templos. E assim mesmo, estão abusando da paciência dos cidadãos. No início deste janeiro, a inauguração de um templo da Igreja Mundial do Poder de Deus, em Guarulhos, do apóstolo Valdemiro Santiago, causou um congestionamento na Via Dutra de mais de 20 quilômetros. Mais de 450 mil pessoas acorreram ao local. Passageiros que tinha vôo marcado no aeroporto de Cumbica não conseguiram chegar a tempo e perderam a viagem. Quem vai indenizar estes passageiros? Se bem conheço os bois com que lavro, ninguém. Pior que tudo é a gritaria desses vigaristas. Ai de quem morar perto de um desses templos. Pelo jeito, os evangélicos acham que o demônio é surdo. Só pode ser expulso dos endemoniados aos berros.

A propósito, nos programas televisivos da Igreja Mundial do Poder de Deus, os milagres saltam como pipocas numa panela. Aids, reumatismo, câncer, cegueira, lumbago são curados na hora com o toque divino do apóstolo. Sua igreja lançou “as poderosas meias consagradas abençoadas pelo Apóstolo Valdemiro Santiago”. Embora a Bíblia não faça reverência alguma a meias usadas por Josué ou Moisés, o santo apóstolo utiliza a passagem bíblica de Josué 1:3 para fazer a propaganda em vídeo das ditas: “Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo dei, como eu disse a Moisés”. Para receber as meias abençoadas, os fiéis têm que ofertar uma quantia de R$ 153,00 reais para a Igreja Mundial.

Mas o melhor vem agora. Em novembro passado, o apóstolo milagreiro se submeteu a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein em São Paulo para resolver um problema no joelho. Para os crentes, meias consagradas e orações.

Para o joelho do apóstolo, a melhor medicina de São Paulo.

janer cristaldo
18 de janeiro de 2012

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