A sinuosidade de ação e pensamento que tanto fragiliza o PSDB no exercício da oposição é também o veneno que, aplicado em doses constantes e cada vez mais letais, corrói as entranhas do partido. A última aniquilou a chance de os tucanos virem a construir uma candidatura viável à Prefeitura de São Paulo a partir da realização das prévias já marcadas para 4 de março próximo. Às vésperas da escolha entre os pretendentes Andrea Matarazzo, Bruno Covas, Ricardo Tripoli e José Aníbal, o PSDB recrudesce a pressão para José Serra ser candidato. Com isso, desmoraliza seus postulantes, informa ao eleitorado que nenhum deles vale quanto pesa e confere a todos a condição de meros esquentadores de cadeira.
Vamos que Serra mantenha a decisão de não se candidatar e a escolha se dê entre os quatro: que moral política ou eleitoral terá o vencedor se o próprio partido pelo qual concorre trombeteara previamente sua carência de condições competitivas? E se José Serra ceder às pressões e for ele o candidato? Em termos imediatos, pode até ser uma solução, o PSDB pode ganhar a eleição. Mas terá de se ver diante da contradição de ter tratado como herói da resistência alguém que havia sido posto fora do tabuleiro. O partido, aqui entendido como a direção e as principais lideranças, não perde oportunidade de acentuar o quanto José Serra está isolado. Tucanos só faltam dizer em público que o tempo dele passou. Privadamente dizem exatamente isso.
Mas, na hora de resolver um problema na eleição que será a mãe de todas as batalhas municipais, definidora da sobrevivência do partido e da consolidação da hegemonia total do PT no cenário nacional, enfileiram-se em romaria pedindo que se candidate a prefeito de São Paulo. Ressuscitam aquele que haviam dado como "morto" para, de um lado, salvar a lavoura partidária e, de outro, mantê-lo longe do jogo de 2014. Diga-se em favor do PSDB que incoerente o partido não é. Trabalha contra os seus com competência e persistência.
Deixou-se aprisionar na armadilha da "herança maldita" urdida pelo PT. E não depois da vitória de Lula, em 2002. Mas já durante aquela campanha quando se recusou a pôr o então presidente Fernando Henrique Cardoso no palanque. Recusa, aliás, é um termo brando. Repúdio traduz melhor a situação. As pesquisas indicavam acentuado desgaste de FH no segundo mandato, os marqueteiros aconselharam ao partido que mantivesse dele distância regulamentar e assim foi feito. Dessa forma continuou sendo feito quando Lula surrava diariamente o governo do antecessor e o PSDB apanhava calado. Parafraseando Nelson Rodrigues, o PT sabia por que batia e os tucanos pareciam concordar com as pancadas.
Só recentemente o PSDB reabilitou Fernando Henrique e, assim mesmo, a reboque da iniciativa de Dilma Rousseff em reconhecer-lhe publicamente o valor. Antes disso, o ex-presidente foi voz isolada em todas as críticas, análises de conjuntura e "pensatas" sobre a condução do partido. Guardadas as proporções e os objetivos, no caso específico da Prefeitura de São Paulo, Serra agora é objeto desse tipo de reabilitação a posteriori. Pelo simples fato de que o PSDB não conseguiu mais uma vez construir um caminho para si. Se queria Serra, não deveria ter-se deixado levar pela proposta de prévias; se queria aliança com Kassab, não deveria tê-lo deixado correr para o PT; se queria um candidato novo, deveria ter tido unidade e firmeza para construí-lo como Lula fez com Fernando Haddad.
O problema é que o maior entre os poucos partidos de oposição não sabe o que quer. Agora não há tempo para mais nada, resta apenas o espaço ao improviso de sempre. E se o leitor mais atento sentiu falta da responsabilização nominal desse ou daquele tucano pelos passos em falso saiba que foi proposital. Não é uma obra de autor. É resultado de um trabalho coletivo de destruição do qual nenhum dirigente, líder, governante, parlamentar, vítima ocasional ou algoz circunstancial está isento.
16 de fevereiro de 2012
(Coluna de Dora Kramer, intitulada "Balas de prata", publicada hoje no Estadão)
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário