O governo tem atuado no quebra-galho, como o de seu antecessor
Querendo, a gente até pode encontrar mais uma (mais uma?) divergência entre a presidente Dilma e seu antecessor. Se Lula sempre reclamava da falta de dinheiro para gastar mais – lembram-se da sua bronca com a perda da CPMF? -, a presidente declarou à revista “Veja”: “A carga de impostos é alta, sim. Vamos baixá-la.”
Estão vendo? Querendo, de novo, a gente poderia até jogar gasolina nessa fogueira. Quer dizer, gasolina, não, porque a Petrobras, por ordem do governo, está perdendo dinheiro ao vender o combustível aqui dentro por preço menor do que paga lá fora. Lenha? Melhor não, desrespeita regras ambientais.
Digamos então que a gente pode estimular a cizânia: “Lula queria aumentar impostos; Dilma vai reduzir.”
Que tal mais esta? “Dilma contra o modo lulopetista de governar?”
Talvez sejam, porém, mais daquelas manchetes que desapontam os leitores. Contam uma história diferente dos fatos.
Reparem: se os impostos serão reduzidos, necessariamente o gasto público também deve ser menor. Desculpem alguns números: hoje o setor público arrecada o equivalente a 37% da produção nacional e gasta algo como 40%, incluindo aí o pagamento de juros. Logo, se vai arrecadar menos, terá que ou gastar menos ou tomar mais dinheiro emprestado aqui e/ou no exterior.
Ora, os gastos aumentaram no ano passado e subirão ainda mais neste ano, conforme consta do Orçamento e das promessas do governo Dilma. Na mesma entrevista, aliás, ela disse que vai investir mais.
Quanto à dívida, o governo tem planos de reduzi-la (no que, aliás, faz bem). Na “Veja” ainda, a presidente contou que disse à chanceler alemã Angela Merkel: “Não queremos o dinheiro (dos ricos); não queremos pagar os juros de 13% por empréstimo que nos oferecem.”
Em um país complexo como o Brasil, não se podia esperar que a presidente Dilma operasse mudança drástica (desmontasse a herança lulista? Hein!?) em tão pouco tempo. Mas um bom projeto, isso se podia esperar.
Parêntesis: estranho esse comentário. Os empréstimos externos tomados pelo governo e por empresas brasileiras não pagam 13% há muitos anos. Na última emissão, em janeiro, o Tesouro nacional vendeu títulos de dez anos com juros de 3,44% ao ano, em dólar. 3,44%! Companhias e bancos, para papéis de vencimento bem mais curto, pagam no máximo 9%. E todos, governo, bancos (inclusive os públicos) e empresas estão tomando empréstimos externos, nos mercados dos EUA e Europa, porque são muito mais baratos que os locais.
Olhando os fatos, portanto, parece que queremos, sim, o dinheiro dos ricos, pelo qual pagamos bem menos do que diz a presidente. Além de querer, precisamos do capital externo, porque o Brasil tem déficit nas suas contas externas.
A presidente se equivocou ou perdemos alguma coisa?
Mas, voltando ao tema inicial, os fatos mostram que a carga de impostos, como a de gastos, está aumentando, e não caindo. No ano passado, enquanto a economia brasileira cresceu pífios 2,7%, a arrecadação de impostos federais aumentou 10%. No primeiro bimestre de 2012, a arrecadação ganhou mais 6% sobre o mesmo período do ano passado – e a atividade econômica continua muito abaixo disso.
Em um país complexo como o Brasil, não se podia esperar que a presidente Dilma operasse mudança drástica (desmontasse a herança lulista? Hein!?) em tão pouco tempo. Mas um bom projeto, isso se podia esperar. E não há nada nessa linha de combinar redução estrutural de carga tributária com gastos menores.
Ao contrário, o governo tem atuado no quebra-galho, como o de seu antecessor. Tira o IPI das geladeiras, coloca o IOF sobre os empréstimos externos. (En passant: esse financiamento externo fica mais caro não por causa dos juros cobrados pelos ricos, mas pelo imposto cobrado pelo governo). E governos estaduais, sem coordenação de Brasília, travam guerras fiscais cujo resultado é complicar a vida do contribuinte.
Está em curso, por exemplo, uma disputa pelo comércio eletrônico. Com faturamento de R$ 18,5 bilhões no ano passado, já pensaram quanto dá uma aliquotazinha de uns 15%? Mas onde se paga o ICMS, no estado sede da companhia pontocom ou no estado do consumidor final? Adivinhou. Nos dois, claro, tem sido a “solução” aplicada pelos governos estaduais. Mais carga.
Nada disso é novidade. Todo mundo, mas todo mundo mesmo, sabe que as pessoas e empresas pagam muito imposto e que o sistema tributário tortura os contribuintes diariamente. Por que não resulta daí uma política efetiva de redução?
Reparem: não há qualquer liderança política, nenhum partido, com esse programa. A oposição a Dilma esperneia no Congresso. Mas olhem seus governadores e prefeitos, estão lá cobrando seus impostos mais e mais.
Parece que estamos tomando isso como um fato da vida. É, os impostos são altos, paciência. É, tem o Custo Brasil, mas aqui é assim mesmo. Os juros são escorchantes – também diz a presidente -, mas o Banco Central avisa que a taxa básica não pode cair abaixo dos 9% anuais.
O surpreendente nessa história toda são, mesmo, as declarações da presidente.
30 de março de 2012
Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
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A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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