"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 15 de março de 2012

IMAGEM E SEMELHANÇA? DESCONJUNTADA E INCOESA


Se o clima na economia não tem estado dos melhores para o governo, o da política azedou de vez agora.

A presidente da República pôs-se a reformar sua base de sustentação no Congresso, lançando-se num campo no qual tem pouco traquejo.

Dilma Rousseff tem tido de agir no varejo porque não tem um projeto de nação que una seus apoiadores e muito menos que mobilize o país.

A crise na política foi deflagrada na semana passada, quando a presidente foi diretamente derrotada com a desaprovação, pelo Senado, do nome de Bernardo Figueiredo para a diretoria-geral da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

Tratava-se de indicação pessoal dela, ao largo dos partidos; insuficiente, porém.

Com a base congressista em clima de conflagração, o Planalto também teve de desistir de tentar aprovar o novo Código Florestal. Retirou o projeto da pauta de votação da Câmara, com receio de que se repetisse a derrota do ano passado.

Duas mudanças repentinas no ministério em dez dias - Pesca e Desenvolvimento Agrário - reforçam a impressão de que a presidente atira para todo lado na seara política.

Mas o caldo entornou mesmo nos últimos dois dias, com a troca dos dois líderes do governo no Congresso, empreendida pela presidente. Caíram Romero Jucá no Senado e Cândido Vaccarezza na Câmara.

Em ambos os casos, a decisão presidencial equivaleu a comprar briga feia com o PMDB - que já reagiu escalando Jucá para relatar o Orçamento, função-chave para qualquer governo.

"Ao promover trocas nas lideranças do governo no Senado e na Câmara, a presidente Dilma Rousseff incendiou parte da cúpula peemedebista, deixou descontentes setores do PR e do PT e não conseguiu, por ora, atingir seu objetivo:
o fim da crise com a base aliada. (...) A operação foi interpretada ainda como 'estranha' e 'desastrada' por líderes da base aliada", resume O Estado de S.Paulo.


Dilma está tentando assumir as rédeas da situação depois de ter escalado prepostas que têm se mostrado inaptas para as lides parlamentares, como Ideli Salvatti e Gleisi Hoffmann. Mas, tanto quanto suas subordinadas, a perícia da presidente para a política é nula.

"Dilma segue fiel a seu estilo. Decide quase tudo de maneira solitária. Age de supetão, com aflição e paranoia por causa de vazamentos para a mídia", escreve Fernando Rodrigues na Folha de S.Paulo.

Há tempos a "base aliada" já vinha dando sinais de insubordinação. O mais importante projeto apreciado no Congresso neste ano só foi aprovado porque parlamentares da oposição, por convicção, votaram a favor:
o que cria o fundo de previdência complementar dos servidores federais.


O Funpresp é uma das raras iniciativas do atual governo que mira o longo prazo e busca construir bases mais sólidas e estruturais para o desenvolvimento do país. Durante anos, Lula eximiu-se de patrociná-lo, colaborando para que o desequilíbrio na previdência se acentuasse.

Outra iniciativa de mérito é a decisão, ainda que tardia, de abrir a exploração dos principais aeroportos à iniciativa privada. Por anos, defendida e apoiada pela oposição; por anos, demonizada e impedida pelo petismo.

A penúria em que se encontram nossos aeroportos deixa claro quem sempre esteve com a razão.

Estas duas exceções servem para confirmar a regra:
o governo Dilma não apresentou propostas capazes de unir a nação em torno de um projeto de futuro, nada capaz de mudar a face do país.

A administração federal vive de administrar um varejo de pequenas, e muitas vezes escusas, demandas. Que agenda move a presidente e seus aliados?

Que rumos Dilma ofereceu até agora ao Brasil?

"As crises são geradas sempre por interesses particulares e não por programas ou teses", comenta Merval Pereira n'O Globo.

Alheia ao furacão político, a presidente diz que seu governo é uma equipe "conjunta e coesa". Só se for na peculiar visão de mundo dela. O que há é uma base parlamentar balofa e amorfa, amalgamada pela gestão cotidiana e errática de um balcão de interesses.

Cada vez que um destes microfeudos é tocado, a casa balança. É provável que, a partir de agora, cresçam as dificuldades do governo no Congresso.

15 de março de 2012
Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Desconjuntada e incoesa

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