"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 31 de março de 2012

JORNALISTAS E COVARDES

Quem não lembra dos anos 80 e início dos 90, quando a melhor e mais barata maneira de comprar um computador era telefonar para Ciudad del Este, no Paraguai?
O governo militar havia decretado a reserva de mercado da informática e quem não quisesse as carroças nacionais tinha de arcar com altos impostos de aparelhos importados. A menos que apelasse a esse importante assessor internacional de compras, o contrabandista. Que acabou sendo um agente da modernização informática do Brasil.

Meu primeiro computador, comprei-o em 90. Direto do Paraguai. Era o must da época. Disco rígido enorme, 40 Mb. Atenção, eu disse 40 megabytes. Paguei quatro mil dólares, em verdinhas, e saía muito mais barato que um aparelho nacional. Sem falar que, ao comprar um computador aqui, eu tinha de preencher um cadastro quilométrico, que só faltava perguntar por meu signo zodíaco. Com meu assessor internacional de compras, burocracia nenhuma. Eu vivia em Curitiba. Telefonei para uma loja em Ciudad de Leste e, dois dias depois, recebia em casa meu PC. O contrabandista pegou meu cheque e não me pediu dado algum.

In illo tempore, como diziam os evangelistas, viajar ao estrangeiro significava voltar com a bagagem cheia de garrafas. Não lembro quanto custava um Ballantines aqui. Mas em Paris fiquei perplexo ao comprar um, em um supermercado, pelo equivalente a dez dólares. O mesmo diga-se dos vinhos. O leitor mais antigo há de lembrar que os uísques importados traziam uma complicada tampa de segurança, para evitar falsificações. Na França, a tampa era singela, bastava desenroscar. É que na França não havia reserva de mercado.

Uísques e vinhos estrangeiros, na época, conferiam status a quem os consumisse. Hoje, ninguém gosta de pronunciar o nome de quem nos liberou, brasileiros, desta interdição de consumo do melhor a preços acessíveis. Foi Collor de Mello, com a segunda abertura dos portos no país. As classes menos abastadas passaram então a ter acesso a carros que não eram carroças, a computadores mais ágeis e a vinhos e uísques de todas as procedências. Com isso, o brasileiro médio aperfeiçoou o paladar e grau de exigência, através do contato com os produtos de fora.

Recentemente, o Estadão fez um levantamento no qual identificou quarenta medidas do governo Dilma, aplicadas ou em análise, de protecionismo da indústria nacional. O esforço engloba desde medidas abrangentes como intervenção no câmbio, maior fiscalização nos portos e preferência a produtos nacionais em licitações, até sobretaxas para produtos específicos, elevação de impostos só para importados e a renegociação do acordo automotivo com o México.

Segundo o jornal, desde o início da crise em 2008, o ministério da Fazenda já alterou 13 vezes a alíquota e/ou o prazo do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para frear a entrada de dólares - seis só no governo Dilma. O Banco Central também intervém rotineiramente no mercado de câmbio para impedir a alta do real.

Em março do ano passado, comentei o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para as compras feitas em cartão de crédito no Exterior. Desde então, o estrangeiro ficou 4% mais caro para todo brasileiro. Se antes você pagava 2,38 reais por 100 reais gastos, a partir de então passou a pagar 6,38. Em mil reais, 63,80. Em dez mil, que é uma despesa viável em cartão de crédito para uma viagem, 638 reais. Quase a metade de uma passagem de ida e volta a Paris.

A medida pretendia conter a evasão de divisas, em virtude da baixa cotação do dólar. Não conteve coisa nenhuma. Os brasileiros continuaram viajando com entusiasmo. Bem que fazem. Mesmo com o aumento do IOF, viajar continua sendo convidativo. Com o que se paga por uma entrada em São Paulo, temos uma refeição completa em Paris ou Madri – entrada, prato principal, sobremesa e, conforme o restaurante, meia jarra de vinho.

Até aí, nada de novo. Semana passada, Veja convocou seu estado-maior para a primeira entrevista exclusiva de Dilma Rousseff à revista. Dela participaram o diretor de redação, Eurípedes Alcântara, e os redatores-chefes Lauro Jardim, Policarpo Júnior e Thaís Oyama. Lá pelas tantas, os bravos jornalistas perguntam à ilustre entrevistada:

- Quais as diferenças entre se defender e recorrer ao protecionismo?

Dilma, como se estivesse falando a uma platéia de colegiais desinformados, responde serenamente:

- O protecionismo é uma maneira permanente de ver o mundo exterior como hostil, o que pode levar ao fechamento da economia. Isso não faremos. Já foi tentado no passado no Brasil com conseqüências desastrosas para nosso desenvolvimento. Cito aqui o caso da reserva de computadores, que, nos anos 80, atrasou a modernização do parque industrial brasileiro e nos privou de tecnologias essenciais. Não vamos repetir esse erro. Não vamos fechar o país. Ao contrário, queremos investimentos estrangeiros produtivos.

Isso não faremos, diz a presidente. E joga a conta para os governos militares. Os bravos jornalistas de Veja sequer reagem. Passam à pergunta seguinte, sem questionar o despautério proferido por Dona Dilma. Como se editor e redatores-chefes jamais tivessem ouvido falar do protecionismo do governo aos produtos nacionais. A revista, tão valente em sua oposição ao governo, se acovarda ante a proximidade física da presidente.

A mesma covardia é assumida pela Folha de São Paulo. Clóvis Rossi, o enviado especial a Nova Déli, para a cobertura da viagem da presidente à Índia, escrevia ontem:

“A presidente Dilma Rousseff retomou ontem seu tema recorrente em torno da crise internacional, ao condenar "políticas expansivas que ensejam uma guerra cambial e introduzem no mundo novas e perversas formas de protecionismo".

E mais não disse o bravo enviado especial. É que as formas perversas de protecionismo se referiam “à catarata de recursos que os bancos centrais dos países ricos estão despejando em suas economias para destravá-las, o que provoca sobra de dinheiro e, por extensão, a invasão de mercados, como o brasileiro, que oferecem juros atrativos”. Quando falava em protecionismo perverso, obviamente Dona Dilma não se referia ao protecionismo de seu governo.

E assim marcha nossa imprensa. Há jornalistas que são leões quando protegidos nas baias das redações. Mas que baixam vilmente a cerviz quando na presença do poder.

31 de março de 2012
janer cristaldo

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