Pois, caríssimos, sou bastante desatento
às circunstâncias sociais de minha vida. Jamais comemorei aniversário e sempre
me esqueço da data. Quem a lembra o mais das vezes são minhas gerentes de banco.
Não nasci em hospital. Mas em geografia onde, a algumas léguas de distância,
sempre se encontrava uma parteira. Sei que a minha se chamava Dona Diolinda.
Naqueles pagos, quando uma mulher já estava nas vascas da agonia, alguém
atrelava um cavalo a uma aranha e saía quase a galope em busca da Dona Diolinda.
Nem todos sobreviviam ao parto. Eu, mais por sorte do que por cuidados médicos,
aqui estou. Dona Diolinda chegou a tempo.
Quanto a registrar filhos, eram outros quinhentos. Primeiro era prudente esperar, questão de ver se a cria vingava, para não perder uma cavalgada até o cartório. Assim sendo, se oficialmente meu aniversário é hoje, em verdade nasci no 02 de abril. Meus pais deram uns prudentes três meses de prazo, para só então registrar-me no cartório de Don Camilo Tamborindegui Benia, basco que dera com os costados por aquelas plagas.
Assim que, lá no Upamaruty, data de aniversário é muito relativo. Sem falar que nasci em época e circunstâncias em que sequer era costume dar presentes ao aniversariante. Presentes como? Só indo até a cidade buscar algum, e isso atrapalhava as lides da lavoura. Presente, então, ficava para quando alguém resolvesse encilhar algum matungo para ir até o povoado.
Mesmo o nome era algo que pouco importava. Pelo que me lembro, nem meu pai nem minha mãe algum dia me chamaram de Janer. Muito menos de Cristaldo. Isso é para questões de documentos. Eu era para alguns Nenê. Para outros, o Negrinho. E quando alguém queria me definir melhor, eu era o Negrinho do Canário. Ou o guri do Canário. Que era meu pai, mas tampouco se chamava Canário. Mas Geraldo. Coisas lá de fora.
Verdade que nem só de meu aniversário me esqueço. Mas até do próprio nome. Cristaldo era o sobrenome de meu avô paterno. Acabou, junto com o Janer, virando prenome. De onde saiu o Janer é outra boa pergunta. Pelo que sei, daqueles antigos almanaques de farmácia, que traziam desde prescrição de remédios até previsão do tempo e informações sobre a boa época de plantar milho, batata ou feijão. Em meio a estes serviços, cá e lá havia um pequeno pensamento. Consta ter sido nesses tais de pensamentos que minha mãe encontrou o Janer, que seria um escritor menor francês.
Só bem mais tarde, fui descobrir que meu nome tem origens escandinavas. Se escreve do mesmo jeito, mas se pronuncia Ianér. Parece que nome veio descendo, virou Jenner lá pelas Alemanhas, Janér na França, e de novo Janer na Catalunha, mas lá se pronunciaria Ianê. Pesquisando na rede, vi que nos Estados Unidos é sobrenome. Na Espanha, encontrei uma escritora catalã chamada Maria de la Pau Janer, nascida em Palma de Mallorca. Pau, em catalão, quer dizer paz.
Mas meu nome mesmo, para efeitos oficiais, é Ferreira Moreira. Como adotei os dois prenomes para escrever, me esqueço da origem ibérica. Não duvido até que seja judeu. Ferreira e Moreira são sobrenomes de cristãos novos. Se sou judeu, isto prova definitivamente que ser ou não ser judeu não depende de raça, mas de cultura, porque de judeu nada tenho. Como jamais uso meus sobrenomes, a não ser em atos oficiais ou documentos, isto me gera certos problemas. Nos hotéis na Espanha, sou el señor Moreira. Em Paris, M. Morrerrá. Só que esqueço de avisar meus amigos. E já perdi não poucos encontros, por me procurarem por Janer.
Quase perdi avião. Certa vez, eu esperava com a Baixinha um vôo em Barajas, em Madri. Lá pelas tantas, ouço nos microfones alguém chamar:
- Señor Moreira, favor presentarse en las oficinas de Ibéria.
Comentei com a Baixinha:
- Tem um luso atrasado para um vôo.
Foi quando o sistema de som repetiu:
- Señor Moreira, favor presentarse en las oficinas de Ibéria.
Nem me dei por aludido. Comentei serenamente:
- O luso vai perder o vôo.
Foi só na terceira vez que me dei conta, assustado, que el Señor Moreira se trataba de este que vos escribe.
Em 94, denunciei na Folha de São Paulo a farsa do massacre dos ianomâmis, criada por antropólogos e missionários ianques, com o objetivo de forçar a demarcação de um território para uma tribo que sequer existe. Por um punhado de linhas na imprensa internacional, Collor de Mello entregou a dez mil aborígenes que, existindo há milênios, não conseguiram emergir de uma cultura ágrafa, um território equivalente a três Bélgicas, uma para cada três mil bugres. Nunca houve tribo ianomâmi no Brasil. O que houve foi uma criação, na imprensa internacional, de um fictício território ianomâmi, por obra da fotógrafa Claudia Andujar, de nacionalidade indefinida. Quando as autoridades brasileiras se deram conta de que tribos são demarcadas por antropólogos, não por fotógrafos, já era tarde demais. O território fora demarcado.
Na época, em artigo intitulado “Ianoblefe”, denunciei a farsa toda. De 19 mortos inicialmente na chacina,o número subiu para 40, depois para 73 e acabou voltando para 19. Se que no entanto nenhum corpo fosse encontrado. Em função de meus artigos, fui processado por racismo, por sete entidades ligadas a antropólogos e bugres, que pediam para mim cinco anos de prisão. Claro que não levaram.
Mas volto a meu nome. Como seria natural, assinei com o nome jornalístico. Ao pé da página, o editor colocou: Janer Cristaldo é doutor pela Université de la Sorbonne Nouvelle. Antropólogos, indigenistas – e até mesmo um cineasta – que haviam caído sobre mim como um enxame de vespas furiosas, tentaram desqualificar-me. Foram pesquisar nos arquivos da Sorbonne Nouvelle e lá não havia nenhum Dr. Janer Cristaldo.
Claro que não havia. Havia o dr. Ferreira Moreira. Ou docteur Ferrerrá Morrerrá, em bom francês. Como esqueci de assinar com meu nome jornalístico, a tese saiu em nome de meu alterego luso. Aliás, até hoje não me peguei meu diploma. Primeiro, porque exigia muita burocracia. Segundo, de que me adiantava exibir na parede o DR do Ferreira Moreira?
Enfim, para dizer que se às vezes me confundo com meu nome, não é de espantar que esqueça minha data natalícia. Tenho sido lembrado, nos últimos dois anos, pelos interlocutores do Facebook. Completo hoje, oficialmente, minha 65ª volta em torno ao sol. (De fato, foi há três meses). Recebi não poucos votos de muitos dias felizes pela frente.
Principalmente de Dom Pedrito, o que muito me comove. Só agora, nestes dias de Internet, estou falando com a cidade em que me criei. Quando escrevia em Porto Alegre, há boas quatro décadas, era praticamente desconhecido em Dom Pedrito, pois só um ou dois exemplares do jornal chegavam lá. Hoje, posso ser lido em qualquer lugar do mundo.
Se serão muito os dias felizes, não sei. Nunca sabemos. Mas espero que sejam, para continuar espicaçando leitores. Aos que me lembraram – já que eu me esqueço -, meu comovido agradecimento. E minhas escusas por enganá-los. Mas isto é o de menos, afinal cumprimos aniversário todos os dias.
03 de julho de 2012
janer cristaldo
Quanto a registrar filhos, eram outros quinhentos. Primeiro era prudente esperar, questão de ver se a cria vingava, para não perder uma cavalgada até o cartório. Assim sendo, se oficialmente meu aniversário é hoje, em verdade nasci no 02 de abril. Meus pais deram uns prudentes três meses de prazo, para só então registrar-me no cartório de Don Camilo Tamborindegui Benia, basco que dera com os costados por aquelas plagas.
Assim que, lá no Upamaruty, data de aniversário é muito relativo. Sem falar que nasci em época e circunstâncias em que sequer era costume dar presentes ao aniversariante. Presentes como? Só indo até a cidade buscar algum, e isso atrapalhava as lides da lavoura. Presente, então, ficava para quando alguém resolvesse encilhar algum matungo para ir até o povoado.
Mesmo o nome era algo que pouco importava. Pelo que me lembro, nem meu pai nem minha mãe algum dia me chamaram de Janer. Muito menos de Cristaldo. Isso é para questões de documentos. Eu era para alguns Nenê. Para outros, o Negrinho. E quando alguém queria me definir melhor, eu era o Negrinho do Canário. Ou o guri do Canário. Que era meu pai, mas tampouco se chamava Canário. Mas Geraldo. Coisas lá de fora.
Verdade que nem só de meu aniversário me esqueço. Mas até do próprio nome. Cristaldo era o sobrenome de meu avô paterno. Acabou, junto com o Janer, virando prenome. De onde saiu o Janer é outra boa pergunta. Pelo que sei, daqueles antigos almanaques de farmácia, que traziam desde prescrição de remédios até previsão do tempo e informações sobre a boa época de plantar milho, batata ou feijão. Em meio a estes serviços, cá e lá havia um pequeno pensamento. Consta ter sido nesses tais de pensamentos que minha mãe encontrou o Janer, que seria um escritor menor francês.
Só bem mais tarde, fui descobrir que meu nome tem origens escandinavas. Se escreve do mesmo jeito, mas se pronuncia Ianér. Parece que nome veio descendo, virou Jenner lá pelas Alemanhas, Janér na França, e de novo Janer na Catalunha, mas lá se pronunciaria Ianê. Pesquisando na rede, vi que nos Estados Unidos é sobrenome. Na Espanha, encontrei uma escritora catalã chamada Maria de la Pau Janer, nascida em Palma de Mallorca. Pau, em catalão, quer dizer paz.
Mas meu nome mesmo, para efeitos oficiais, é Ferreira Moreira. Como adotei os dois prenomes para escrever, me esqueço da origem ibérica. Não duvido até que seja judeu. Ferreira e Moreira são sobrenomes de cristãos novos. Se sou judeu, isto prova definitivamente que ser ou não ser judeu não depende de raça, mas de cultura, porque de judeu nada tenho. Como jamais uso meus sobrenomes, a não ser em atos oficiais ou documentos, isto me gera certos problemas. Nos hotéis na Espanha, sou el señor Moreira. Em Paris, M. Morrerrá. Só que esqueço de avisar meus amigos. E já perdi não poucos encontros, por me procurarem por Janer.
Quase perdi avião. Certa vez, eu esperava com a Baixinha um vôo em Barajas, em Madri. Lá pelas tantas, ouço nos microfones alguém chamar:
- Señor Moreira, favor presentarse en las oficinas de Ibéria.
Comentei com a Baixinha:
- Tem um luso atrasado para um vôo.
Foi quando o sistema de som repetiu:
- Señor Moreira, favor presentarse en las oficinas de Ibéria.
Nem me dei por aludido. Comentei serenamente:
- O luso vai perder o vôo.
Foi só na terceira vez que me dei conta, assustado, que el Señor Moreira se trataba de este que vos escribe.
Em 94, denunciei na Folha de São Paulo a farsa do massacre dos ianomâmis, criada por antropólogos e missionários ianques, com o objetivo de forçar a demarcação de um território para uma tribo que sequer existe. Por um punhado de linhas na imprensa internacional, Collor de Mello entregou a dez mil aborígenes que, existindo há milênios, não conseguiram emergir de uma cultura ágrafa, um território equivalente a três Bélgicas, uma para cada três mil bugres. Nunca houve tribo ianomâmi no Brasil. O que houve foi uma criação, na imprensa internacional, de um fictício território ianomâmi, por obra da fotógrafa Claudia Andujar, de nacionalidade indefinida. Quando as autoridades brasileiras se deram conta de que tribos são demarcadas por antropólogos, não por fotógrafos, já era tarde demais. O território fora demarcado.
Na época, em artigo intitulado “Ianoblefe”, denunciei a farsa toda. De 19 mortos inicialmente na chacina,o número subiu para 40, depois para 73 e acabou voltando para 19. Se que no entanto nenhum corpo fosse encontrado. Em função de meus artigos, fui processado por racismo, por sete entidades ligadas a antropólogos e bugres, que pediam para mim cinco anos de prisão. Claro que não levaram.
Mas volto a meu nome. Como seria natural, assinei com o nome jornalístico. Ao pé da página, o editor colocou: Janer Cristaldo é doutor pela Université de la Sorbonne Nouvelle. Antropólogos, indigenistas – e até mesmo um cineasta – que haviam caído sobre mim como um enxame de vespas furiosas, tentaram desqualificar-me. Foram pesquisar nos arquivos da Sorbonne Nouvelle e lá não havia nenhum Dr. Janer Cristaldo.
Claro que não havia. Havia o dr. Ferreira Moreira. Ou docteur Ferrerrá Morrerrá, em bom francês. Como esqueci de assinar com meu nome jornalístico, a tese saiu em nome de meu alterego luso. Aliás, até hoje não me peguei meu diploma. Primeiro, porque exigia muita burocracia. Segundo, de que me adiantava exibir na parede o DR do Ferreira Moreira?
Enfim, para dizer que se às vezes me confundo com meu nome, não é de espantar que esqueça minha data natalícia. Tenho sido lembrado, nos últimos dois anos, pelos interlocutores do Facebook. Completo hoje, oficialmente, minha 65ª volta em torno ao sol. (De fato, foi há três meses). Recebi não poucos votos de muitos dias felizes pela frente.
Principalmente de Dom Pedrito, o que muito me comove. Só agora, nestes dias de Internet, estou falando com a cidade em que me criei. Quando escrevia em Porto Alegre, há boas quatro décadas, era praticamente desconhecido em Dom Pedrito, pois só um ou dois exemplares do jornal chegavam lá. Hoje, posso ser lido em qualquer lugar do mundo.
Se serão muito os dias felizes, não sei. Nunca sabemos. Mas espero que sejam, para continuar espicaçando leitores. Aos que me lembraram – já que eu me esqueço -, meu comovido agradecimento. E minhas escusas por enganá-los. Mas isto é o de menos, afinal cumprimos aniversário todos os dias.
03 de julho de 2012
janer cristaldo
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