"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A VERDADEIRA HISTÓRIA DE "CASABLANCA"

 

Nunca uma mulher foi tão bela no cinema como Ingrid Bergman em “Casablanca”. Nunca, no cinema, uma canção saiu tão maravilhosa de um piano quanto “As time goes by” dos dedos do negro Sam. Nunca um olhar foi mais fascinante na história do cinema do que o de Ingrid Bergman para Humphrey Bogart, no “Rick” de Marrocos.


“Rick” era italiano…

Pois essa história houve. Não bem assim, mas quase assim. O dono dessa eterna história de amor e guerra, resistência e liberdade, que fez de Casablanca um dos três mais citados em todas as listas dos melhores filmes, existiu e o conheci senador. Morreu em Roma em abril de 1991, com 92 anos.

O filme, todos o vimos. Um tcheco, Victor Lazlo, guerrilheiro, líder antinazista, caçado por Hitler na Europa inteira, chegou à Casablanca com a mulher, para conseguirem passaportes e fugirem, porque Marrocos ainda era francês, embora os alemães, ocupando a França, também lá estivessem.

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INGRID BERGMAN

O tcheco vai com a mulher, a luminosa e doce Ingrid Bergman, ao cassino para um encontro, atrás de passaportes falsos. No piano, um negro. A mulher de Lazlo o reconhece: “Sam, toque aquela canção”. Ele diz que o patrão proibiu. Ela insiste, de repente aparece o dono do cassino, Rick, o elegante Humphrey Bogart, cigarro nos dedos, e manda: “Toque”.

Ele toca “As time goes by” (“Enquanto o tempo passa”). Os dois tinham sido namorados em Paris, até a ocupação alemã, quando fugiram, cada um para seu lado, e agora ela era a mulher do líder tcheco. Tiros, mortes, invasão do cassino, uma arrepiante “Marselhesa” cantada de pé.

Depois de noites desesperadas, acabam os dois, o tcheco e a mulher, fugindo para Lisboa em um velho avião, com passaportes arranjados por Rick, que, ajudado por um oficial francês, matou o comandante alemão, que foi ao aeroporto impedir a fuga. No cassino, Sam tocava “As time goes by”.

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O GUERRILHEIRO

Esse é o filme. Na vida real, foi um pouco diferente, mas também fascinante. Randolfo Pacciardi (nasceu em 1889) jornalista, advogado e guerrilheiro, não era tcheco, era italiano. Em 1923, interrompeu um comício de Mussolini na Praça Veneza, e o já quase ditador o chamou de “advogadozinho idiota”.

Quando Mussolini tomou o poder, Pacciardi entrou na luta, foi para Paris. Em 36, estourou a Guerra Civil espanhola, com Hitler e Mussolini apoiando Franco. Pacciardi foi para a Espanha, fundou a Brigada Garibaldi, com André Malraux, Hemingway, o brasileiro Apolônio de Carvalho, outros.

O Partido Comunista espanhol, que comandava a luta contra Franco, deu à Brigada Garibaldi a missão de ir a Barcelona matar os trotsquistas e anarquistas, que também lutavam contra Franco, mas Stalin queria aproveitar a guerra para liquidá-los. Pacciardi negou-se a cumprir a ordem e foi combater Hitler na França.
De lá, seguiu para a África (Argélia) para se encontrar com de Gaulle. E acabou em Marrocos com a Ingrid Bergman, dentro de um filme.

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COM DE GAULLE

Perseguido pelos alemães e italianos, Pacciardi internou-se em um hospital de Marrocos, para se operar, embora não estivesse sentindo nada.
O médico negou-se a operá-lo e acabou descobrindo tudo. Era francês, amigo do comandante francês, levou Pacciardi para casa, arranjou-lhe um passaporte falso (ele era Renné Pigot) e o embarcou no navio português Serpa Pinto.

No navio, ele reencontrou, também fugindo dos alemães, e também com passaporte falso, uma antiga namorada da juventude em Paris, agora mulher do também antinazista, Mendes France, mais tarde primeiro-ministro da França, e que lutava na resistência com De Gaulle.

Em Nova York, Pacciardi conheceu Michael Curtiz, diretor de cinema de Hollyood, contou-lhe sua rocambolesca história. Curtiz chamou um roteirista e nasceu “Casablanca”.

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O SENADOR PACCIARDI

Acabada a guerra, Pacciardi volta à Itália, funda o jornal La Voce Republicana, ajuda a fundar o Partido Republicano, elege-se para a Assembléia Constituinte e com Saragat torna-se vice-presidente do Conselho, no governo democrata-cristão de De Gaspari. E ministro da Defesa de 1948 a 1953.

Togliati e o Partido Comunista italiano não lhe perdoaram jamais por se ter negado a cumprir na Espanha as ordens de Stalin para eliminar os anarquistas e trotsquistas, aliados deles. Fizeram uma campanha terrível contra Pacciardi, acusando-o de “traidor” e “vendido aos Estados Unidos”.

Para Togliati (como Agildo Barata para Prestes), Pacciardi era um “bandido, lacaio da CIA”. Quando Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano, começou o eurocomunismo, os comunistas reviram o que diziam de Pacciardi e, no seu enterro, ele já era um “herói da Pátria, da liberdade”.

Em 1990, em Roma, o conheci já velhinho, senador vitalício, com 91 anos e lançando as memórias, “Cuore da Battaglia”, na qual conta a história de Casablanca.

10 de setembro de 2012
Sebastião Nery

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