Ao ceder à pressão de Lula e do PT para colocar-se, e à máquina do governo, a serviço das candidaturas que interessam à companheirada nas principais capitais e cidades do País, Dilma Rousseff começou a jogar pelo ralo a reputação positiva de gerente durona e pouco afeita à politicagem que construiu em seu primeiro ano de governo e está por trás de seus altos índices de popularidade.
Como consequência, esses índices começam a declinar, conforme pesquisas recentes. Além disso, essa conversão da gerentona em palanqueira periga resultar num enorme furo n'água porque, ao que tudo indica, o PT deve levar uma surra nas urnas dos principais colégios eleitorais.
Dilma assumiu o governo, 20 meses atrás, ostentando portentosos índices de popularidade, bônus da vitória eleitoral e, em grande medida, efeito da transferência do enorme prestígio de seu padrinho. Ocorre que prestígio não se herda, pura e simplesmente. Cada um constrói o seu, tarefa que às vezes, como no caso, é facilitada pelo acúmulo de certo capital inicial.
Antes que o tempo se encarregasse de diluir o peso do voto de confiança que lhe era oferecido, Dilma tratou de fazer por merecê-lo. Não hesitou em afastar, numa exemplar faxina, vários ministros herdados de Lula com o rabo preso em, digamos, irregularidades, e deixou claro que, ao contrário de seu sucessor, estava disposta à tolerância zero com a politicagem rasteira do toma lá dá cá.
Chegou a dizer isso, com todas as letras - menos a referência a Lula, é claro -, diante das câmeras de televisão. Conquistou a boa vontade e a simpatia de segmentos da opinião pública historicamente avessos ao petismo. E entrou em 2012 com altíssimos índices de aprovação popular que já então eram seus por direito de conquista.
Mas 2012 trouxe também as eleições municipais. E com elas o aguçamento da incompatibilidade entre o figurino que a presidente tentava vestir e o comportamento que dela espera a companheirada. Dilma até que tentou sinalizar seu compromisso prioritário com o mandato de presidente e não com os interesses eleitorais de seu partido. Mas não resistiu por muito tempo, até porque a essa altura Lula já estava a pleno vapor na campanha, criando fatos políticos consumados.
Meses atrás, Dilma havia dito ao vice-presidente Michel Temer que não faria campanha para ninguém no primeiro turno. Mas Lula, preocupado com os prognósticos em cidades importantes como São Paulo, Belo Horizonte e Recife, tratou de fazê-la mudar de ideia. E ela começou então a fazer o contrário do que pregava como "presidente de todos os brasileiros".
Por exemplo, nos depoimentos obedientemente gravados para o horário eleitoral gratuito em São Paulo, tem declarado, sem a menor sutileza, que Fernando Haddad é o "nome certo" para que a cidade se beneficie do apoio federal. Não poderia fazer pior, pois induz o eleitor a imaginar que se ele votar num "nome errado" a sua cidade terá de viver sem a generosidade federal.
Mas, em matéria de colocar seu mandato a serviço de interesses partidários, Dilma fez muito pior em seu pronunciamento oficial em comemoração ao 7 de Setembro. É claro que a chefe do Governo tem todo o direito de fazer política, o que significa que não está impedida de promover seu partido e seus candidatos nas formas e ocasiões adequadas.
Mas sua investidura na primeira magistratura do País impõe limites éticos a essa ação, o que implica saber distinguir o público do privado. Assim, como presidente, Dilma Rousseff pode e deve, por exemplo, usar o dinheiro do Estado para prestar contas de sua administração. Mas não pode, a pretexto de prestar contas, fazer clara e abusiva propaganda política em benefício próprio e de seu partido.
Pois o pronunciamento da presidente às vésperas do 7 de Setembro foi uma indisfarçável peça de propaganda política construída com base em dois fundamentos do mais demagógico populismo: a exaltação mistificadora de realizações pretéritas e o ruidoso foguetório em torno de realizações futuras, ou seja, promessas e mais promessas, aliadas a duras críticas aos adversários, feitas com dinheiro do contribuinte, em tom de comício eleitoral. Assim não pode.
16 de setembro de 2012
Editorial de O Estado de S.Paulo
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