Boa parte de minha vida, eu a dediquei ao estudo de línguas. No ginásio, latim, francês e inglês. Mais tarde, russo e alemão. Russo, porque a Patrice Lumumba oferecia bolsas, e bolsa eu topava acho que até em Uganda. Além disso, não me desagradava a idéia de ler Kuprin e Dostoievski no original. Felizmente não a consegui. Pelos relatos que li de quem andou por Moscou, sinto que não perdi nada. Isto é, perdi o conhecimento de uma língua. Mas o preço a pagar era muito alto.
De minhas aulas de russo, guardo a boa lembrança do professor Sergei Zukof, um admirável jovem de 94 anos. De minhas aulas de russo, restaram-me algumas palavras e o domínio do cirílico. Pode parecer pouco, mas este conhecimento me foi muito útil para ler mapas, nomes de rua e de metrôs quando andei por São Petersburgo.
Mergulhei mais tarde no alemão. Foi na época em que me fascinei por Nietzsche. Além de Nietzsche, havia sempre a idéia de bolsa. Fiz dois anos de Goethe, preparei um programa de estudos sobre a obra do alemão e me candidatei a um doutorado na Alemanha. Santa ilusão minha. A Alemanha vivia seus dias de Guerra Fria e nada queria a ver com Nietzsche, tido como um dos inspiradores do nazismo. Quando vi minha bolsa batendo asinhas, voltei a estudar francês. Sobrou um alemão que dá pra conversar com garçons. O que já é bom.
Desta vez na Aliança Francesa, de Porto Alegre, com o saudoso professor Roche. Nascido na Alexandria, inclusive escreveu um livro pouco conhecido sobre os problemas do Oriente Médio, A Alternativa do Khamsin. O que me fascinava no professor Roche é que ele nada queria saber com língua e gramática. Bastava a gente puxar pelo assunto e ele discorria prazerosamente sobre a História e histórias do Egito e do Oriente Médio. Soube que mais tarde ele se desentendeu com o governo francês e teve de abandonar a Aliança. Porto Alegre perdeu um de seus grandes professores.
Espanhol, apesar de ter traduzido cerca de quinze livros, nunca estudei. Estava na infância e no sangue. Por estranhos caprichos da vida, acabei estudando sueco. Foram seis horas diárias de estudo, por pelo menos oito meses. Acabei adquirindo um bom domínio da língua e inclusive traduzi três grandes momentos da literatura dos Sveas: Karin Boye, Maria Gripe e Olof Johannesson. Hoje, perdi meu sueco. Nada mais triste do que perder uma língua. Em minha última viagem a Estocolmo, descobri que conseguia me fazer entender em sueco. O problema é que quase nada entendia quando me respondiam. Ainda consigo ler os tablóides suecos, e só.
São poucas, as línguas que conheço. Mas são janelas pelas quais consigo ver melhor o mundo. Consigo arranhar o norueguês, dinamarquês, catalão e galego. E grego. Há uma frase universal em grego que serve para a maior parte das peripécias pelas quais passa o viajante: akoma ena potirakis, parakalô. Mais um copinho, por favor. Com essa frase, você faz o continente e as ilhas. Quanto ao ladino, me sinto em casa.
De repente, acabo de descobrir que perdi um tempo precioso estudando estas línguas todas. Recentemente, um leitor enviou-me Uma réstia de luz, obra póstuma de Dostoievski, psicografado por sua sogra, Esther Pinheiro Wollmann. Agradeci o presente e cumprimentei sua sogra por dominar o russo.
- Não, ela não conhece russo.
Não entendi. Que me constasse, Dostoievski não escrevia em português.
- Chegou assim, direto, em português. Agora ela está psicografando uma obra de Byron.
Ela conhece inglês?
- Não. Mas chega direto. Em português.
NOTA DE DOSTOIEVSKI PARA A MÉDIUM:
Oh! Minha irmã, quantos conflitos! Quantas lutas travadas intimamente! Dúvidas compreensíveis se fizeram em coração, eu sei disso.
- Dostoievski? Como poderei psicografar? Se nem sei escrever esses nomes complicados que eles usam!
Todavia conseguimos! Uma grande piedade envolvia meu coração ao constatar sua angústia nos dias de trabalho; muitas vezes temi sua desistência! Porém fui insistente, incentivado por meus mentores.
Valeu a pena! Grande também foi minha luta! Nosso convívio espiritual, durante todo esse tempo decorrido, fez de mim um afeiçoado seu que, agradecido, se despede rogando a Deus pela sua felicidade.
Fyodor Dostoievski
21-06-1990
De repente, passei a não entender como há quem pague caríssimo por cursos de línguas. Não perca tempo, leitor, com os Goethes, Berlitz, Yazigis e Alianças Francesas da vida. Adira ao espiritismo e traduza de todas as línguas.
Se eu deixasse de preconceitos e abraçasse a doutrina de Kardec, não só teria lido Nietzsche e Dostoievski no original, como talvez os tivesse traduzido. Assim direto. Os professores de línguas - como também os que estudam línguas - estão perdendo tempo e dinheiro. Torne-se médium. É o caminho mais curto para ser poliglota e cosmopolita.
Melhor ainda, você terá acesso a óbras póstumas de autores clássicos.
20 de outubro de 2012
janer cristaldo
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