"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O DIABO E OS DETALHES

 

Se o diabo existisse, seria compreensível que ele escolhesse os detalhes como moradia. São os detalhes que separam a intenção do fato. As intenções são, quase sempre, genéricas e positivas. Dificilmente alguém justificará suas ações com base em objetivos moralmente reprováveis. A intenção está sempre ancorada em um bem maior.

O diabo, entretanto, mora, de fato, nos detalhes. Habita todas as reentrâncias e saliências existentes na distancia entre a intenção e o fato.

Os desvios não ocorrem porque as intenções deixam de ser puras. Ocorrem porque, quando testados à luz das pequenas decisões, as ações traem as intenções e transformam o desvio em trajetória.

Os detalhes oferecem as circunstâncias que podem oferecer moradia às tentações. No enfrentamento de cada um dos dilemas, as escolhas servem, excludente e alternativamente, como tática para consecução do objetivo, ou, como desvio permanente das intenções iniciais.

Intenções justificam os fins e dão direção e sentido às ações. Servem de norte. Detalhes determinam os meios. Cada escolha individual em cada uma das encruzilhadas marca o compromisso com a intenção. Por isto, frequentemente, os meios, pelo menos em alguma medida, se opõem aos fins.

Justificar qualquer meio para a obtenção dos fins é acreditar que tudo na vida um dia será reduzido a uma narrativa que, por sua vez, será invariavelmente apenas um eco na memória. Se isto é verdade, de fato, a única coisa que importa é a consecução dos objetivos.

Apesar de ter seu apelo, esta visão de mundo ignora que uma história somente existe quando os fatos dão lugar ao enredo. Quando fatos são contados a partir de uma narrativa que considera não somente como cada um é reconhecido, mas principalmente como cada um se reconhece ao fim de tudo.

Perseguir os fins a qualquer custo faz com que os meios sufoquem os fins, anteriormente grávidos de boas intenções. É condenar as intenções à morte, lenta, quase silenciosa. Buscar os fins desconsiderando os meios é ignorar que, no fim e ao cabo, ser reconhecido é menos importante do que se reconhecer.

 19 de novembro de 2012
Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria).

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