"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 25 de novembro de 2012

O ECONOMISTA E O DITADOR

pinochet21



O falecido autocrata chileno Augusto Pinochet é responsável por proibir a oposição política, por fazer “desaparecer” inimigos políticos (“jogando” alguns deles em Washington, DC), por ordenar milhares de mortes e transformar estádios de futebol em sombrios centros polivalentes de detenção em que prisioneiros políticos eram torturados e mortos.

O falecido economista e jornalista Milton Friedman é responsável por insights inovadores em economia e apoiava a defesa pela liberdade dos indivíduos de escolher como viver suas vidas, livres da interferência do governo.

E ainda, tanto na vida quanto na morte, Pinochet e Friedman tem sido aceitos por muitos como dois lados “negros” de uma direita malvada em que o despotismo, a tortura, e o livre mercado estão intimamente ligados.
O colunista do The New York Times Anthony Lewis declarou em 1975 que “a política econômica da junta chilena é baseada nas idéias de Milton Friedman (…) e sua Escola de Chicago (…) se a teoria econômica “pura” de Chicago pode ser realizada no Chile apenas sob o preço da repressão, deveriam os seus autores sentir alguma responsabilidade?”
Tais atitudes assombraram Friedman até sua morte e além.

A reação de alguns dos conservadores usuais até a morte de Pinochet não ajudou a desmarcarar esta infeliz associação. Já que Pinochet era um autocrata pró-americano, que honrou um plebliscito e renunciou, parte da direita americana sempre teve um afeto doentio pelo general. A revista National Review realizou um simpósio e um relatório oficial organizado pelo ex-editor John O’Sullivan marcando o falecimento de Pinochet, sem muita indignação pelos crimes do ditador.
O’Sullivan disse, explicitamente, em uma troca de acusações morais e bizarras que disputas partidárias costumam gerar, que é claro, Pinochet deveria sofrer por sua vilania – mas somente se Castro e Allende também o fossem.

Mas se os comunistas imorais são hipócritas por apenas se opor à tirania quando se trata de não-comunistas, como a direita é tão ágil em denunciar, no que se tornam os direitistas quando fazem isso, quando só parecem opor-se à tirania quando se trata de comunistas (ou muçulmanos)? Uh, bem … Ei, olhem lá! Castro! Não o deixe escapar!

Sim, é verdade, Friedman deu conselhos a Pinochet. Mas não diziam respeito a como encontrar o melhor lugar no oceano para despejar os corpos dos inimigos políticos assassinados.
Apesar das multidões enfurecidas de estudantes que perseguiram Friedman em todos os lugares de Estocolmo (a sua cerimônia de aceitação do Nobel em 1976 foi marcada pela presença dos estudantes) a Chicago porque eles o consideravam uma espécie de mestre-de-marionetes das sinistras políticas chilenas, a realidade das “ligações” de Friedman com Pinochet é muito menos dramática.

Durante anos, a Universidade de Chicago tinha um programa em parceria com a Universidade Católica do Chile no qual concedia bolsas para os chilenos estudarem em Chicago.
Os conselheiros econômicos de Pinochet foram, assim, treinados pela Universidade de Chicago, e conhecidos como “Chicago Boys”. Mas o único contato direto de Friedman com o Chile foi quando ele foi convidado pelo seu colega, também professor da Universidade de Chicago, Arnold Harberger – que estava mais envolvido com o programa chileno – a dar uma semana de palestras e participar de debates públicos no Chile em 1975.

Enquanto esteve lá, Friedman teve um encontro com Pinochet, por menos de uma hora. Pinochet pediu a Friedman que lhe escrevesse uma carta sobre as suas opiniões sobre como a política econômica chilena deveria ser gerida, o que Friedman fez.
Ele defendeu cortes rápidos e severos nos gastos do governo e inflação, bem como instituições mais abertas ao comércio internacional e políticas para “estabelecer o alívio de qualquer dificuldade real e angústia entre as classes mais pobres.” Ele não escolheu essa como uma oportunidade de censurar Pinochet por qualquer uma de suas políticas repressivas, e muitos dos admiradores de Friedman, inclusive eu, teria se sentido melhor se ele o tivesse feito.

Mas essa foi a extensão de seu envolvimento com o regime chileno – e que se encaixa com um padrão recorrente na carreira de Friedman de aconselhar todos os que o quisessem ouvir. Não era um sinal de aprovação ao autoritarismo militar.
Friedman, ao se defender contra as acusações de cumplicidade com, ou aprovação do governo de Pinochet, disse em uma carta em 1975 para o jornal da Universidade de Chicago que ele “nunca ouviu queixas” sobre ter dado ajuda e conforto para governos comunistas com quem tinha se comunicado, e que “eu não aprovo nenhum desses regimes autoritários, nem os regimes comunistas da Rússia e da Iugoslávia, nem os regimes militares do Chile e do Brasil.
Mas eu acredito que posso aprender observando-os e que, na medida que a minha análise pessoal de sua situação econômica permita-lhes melhorar o seu desempenho econômico, é provável que isso promova e não retarde um movimento na direção de maior liberalismo e da liberdade. ”

Se você acredita que é um dever moral boicotar criminosos no governo, sem restrições, então Friedman fez a coisa errada em falar com Pinochet e escrever-lhe uma carta. Mas se qualquer chileno teve uma vida melhor devido a qualquer reforma de livre mercado que Friedman ou os conselheiros de Pinochet treinados em Chicago ajudaram a tornar realidade, esse é um preço pequeno a pagar por qualquer dano à reputação de Friedman.

Mas será que algum chileno teve de fato uma vida melhor por causa das políticas de livre mercado? É uma questão de fé entre a esquerda que o Chile teve de fato a sua economia destruída pelo “Friedmanismo” galopante. Em um excelente artigo (não disponível online) que apareceu em 1983 na edição de agosto da revista Inquiry, durante a primeira recessão grave do Chile após algumas reformas de mercado iniciais, chamado “Será que Milton Friedman realmente arruinou o Chile?”, Jonathan Marshall salientou que tanto Friedman, que foi muito rápido em declarar a vitória definitiva da reforma de livre mercado no Chile, e seus detratores, que achavam que suas políticas haviam levado a nação à ruína, estava esquecendo alguns detalhes importantes: “os próprios protegidos de Friedman abandonaram a economia de viés laissez-faire em certas conjunturas, e foram estes desvios, não um monetarismo doentio, que produziram o sofrimento do Chile.”

Marshall salientou a grande insistência “não-Friedmaniana” do Chile no que se refere à fixação do preço do peso chileno em dólares americanos no início dos anos 80, acarretando em uma sobrevalorização do peso que devastou o mercado exportador chileno.
Ele também notou que a continuação do sistema capitalista de camaradagem no Chile, no qual aqueles que contavam com influências tinham crédito especial do governo, bem como resgates quando os riscos do livre mercado os prejudicavam. Esses tipos de políticas, bem como um colapso mundial nos preços do cobre, a principal exportação do Chile, foram responsáveis pela recessão do Chile no início dos anos 80, não uma corrida maluca em prol do livre mercado.

De qualquer forma a tendência de reformas de livre mercado – especialmente quando incorporada com intervenções contínuas de vários tipos – não é garantia de resultados imediatos. Muitos das críticas (denúncias) populares da idéia de que as reformas de mercado ajudaram o Chile residem em procurar por pontos fixos do passado, como se eles resolvessem a questão sobre qualquer benefício no longo prazo.
Se Friedman foi rápido demais em rotular a economia do Chile como um milagre instantâneo, como fez em uma coluna na revista Newsweek em 1982 (salientando que é um “mito” que “somente um regime autoritário pode implementar com sucesso uma política de livre mercado”, já que um livre mercado é “o contrário” do autoritarismo militar), seus adversários foram bem mais rápidos em condená-lo como um desastre.

Alguns delas tiveram pontos fortes, particularmente sobre as taxas de crescimento nos anos 70 e 80 que eram, possivelmente, resultados tanto da recuperação do terreno perdido devido às recessões como produto do novo e sustentável crescimento de longo prazo.
Mas as estatísticas da última década e meia mostraram um Chile que, no longo prazo tem superado, do ponto de vista econômico, a maioria da América Latina – inflação mais baixa, maior crescimento real per capita do PIB, bem menor incidência de pobreza extrema e menos dependência do FMI.

Nenhum sucesso econômico do Chile serve de desculpa ou minimiza os crimes de Pinochet. Mesmo os defensores libertários ferrenhos de Friedman podem questionar a conveniência de sua associação, por mais breve ou tênue, com o ditador.
Como o economista austríaco Peter Boettke me disse uma vez, muitos economistas de sua geração – muitos dos quais são libertários na sua essência – têm a noção de trabalhar em até mesmo algo inócuo como finanças públicas de mau gosto – como uma “ajuda para a máfia”. Friedman não sentia tal repugnância visceral pelo governo ou por quem governa.
Ele era realista sobre a política, e tentou lidar com o mundo como ele era – lubrificando com seu radicalismo político as engrenagens do poder do jeito que era possível.

Friedman estava pronto e disposto a dizer às pessoas responsáveis por todas as políticas erradas do mundo o que elas precisavam fazer para acertar as coisas, o que significava que ele tinha que dialogar com eles, fazendo ataques abertos a seus crimes imprudentes. Ele tentou mover o mundo em uma direção mais livre do ponto em que a realidade se apresentou.

“Não tenho nada de bom a dizer sobre o regime político que Pinochet impôs”, disse Friedman em 1991. “Foi um terrível regime político. O verdadeiro milagre do Chile não é o quão bem ele foi economicamente, o verdadeiro milagre do Chile é que uma junta militar estava disposta a ir contra seus princípios e apoiar um regime de livre mercado projetado por seguidores dos princípios de um mercado livre… No Chile, o impulso para a liberdade política que foi gerado pela liberdade econômica e o conseqüente sucesso econômico ao final resultou em um referendo que introduziu a democracia política.”

Poderia ter sido mais gratificante moralmente não ter nenhuma relação com Pinochet, simplesmente condená-lo de longe. Mas optando por deixar seus conselhos econômico acima de revolução política, Friedman quase certamente ajudou o Chile a longo prazo – mas é importante lembrar que os “Chicago boys” foram mais responsáveis do que o próprio Friedman, e que eles não estavam seguindo suas prescrições implacavelmente ou sob a sua instrução direta.

Indubitavelmente, a decisão de Friedman de interagir com os funcionários de governos repressivos cria tensões desconfortáveis aos seus admiradores libertários; eu poderia, e na maioria das vezes, preferiria que ele não o tivesse feito. Mas dado o que provavelmente significou para a riqueza econômica e a liberdade no longo prazo para o povo do Chile, esta é uma reação egoísta.

As políticas econômicas de Pinochet não amenizaram seus crimes, apesar daquilo que seus admiradores de direita dizem. Mas Friedman, como conselheiro econômico para todos os que o ouviram, não cometeu os crimes de ninguém, nem admirou nenhum criminoso.

25 de novembro de 2012

* Traduzido por Matheus Pacini

Sobre o Autor

avatar
Brian Doherty é editor sênior da revista Reason e autor de diversos livros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário