Dirceu tem momentos de tensão à espera da polícia
O interfone tocou ontem às 5h30 da manhã na casa do ex-ministro José Dirceu, na Vila Mariana, em São Paulo.
Um de seus advogados, Rodrigo Dall'Acqua, e a Folha pediam para subir.
O porteiro hesita. "Como é o seu nome? Ele [Dirceu] não deixou autorização para vocês subirem, a gente não chama lá cedo assim." Ele acaba tocando no apartamento do ex-ministro, ninguém atende.
Dall'Acqua liga para o advogado José Luis Oliveira Lima, que está a caminho. Telefonemas são trocados, e Dirceu autoriza a subida.
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Na saída do elevador, o ex-ministro abre a porta de madeira que dá para o hall. Por uma fresta, pede alguns minutos para se trocar.
Abre a porta.
Pega a Folha entre vários jornais sobre uma mesa. Comenta algumas notícias. Nada sobre a possibilidade de Joaquim Barbosa, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), decretar a sua prisão ainda naquela manhã.
INTUIÇÃO
Está de camiseta preta e calça jeans cinza.
Senta no sofá da sala. A empregada ainda não chegou. Ele se desculpa. Não tem nada o que servir.
"Eu não vou dar entrevista para você, não", diz à colunista da Folha. "Podemos conversar, mas não quero gravar. Não estou com cabeça. Dar uma entrevista agora, sem saber se vou ser preso? É loucura, eu não consigo."
E, diante da insistência:
"Estou com uma intuição, não devo dar".
Em poucos minutos, chegam o advogado Oliveira Lima, três assessores e uma repórter que trabalha no blog que o petista mantém.
Dirceu pega o seu iPad.
"Acho que eu vou lá [no escritório do apartamento] fazer um artigo para o blog. Mas falar sobre a situação econômica do Brasil, gente? Hoje? Eu não estou com cabeça."
José
Dirceu em plenária do PT em Osasco após o Supremo condená-lo pelo
mensalão
HORA
MARCADA
Os advogados
alertam: se houver ordem de prisão, a polícia deve chegar em meia hora, às 6h.
Se até as 7h nenhuma viatura aparecer, é porque eventual ordem só sairia mais
tarde. Ou então Barbosa não decretaria a prisão (o que acabou
ocorrendo).
A Folha questiona
se ele já tinha preparado a mala para ir para um presídio. "Eu não. Eu fui
procurar, estou sem mala aqui. Achei uma mochila esportiva. Depois o Juca [o
advogado José Luis Oliveira Lima] leva as coisas para mim. Ele vai ser a minha
babá." No primeiro momento, só os advogados podem visitar o
detento.
"Os policiais
dão um tempo para a pessoa se arrumar [antes de levá-la presa]", explica
Oliveira Lima.
Dirceu diz
acreditar que Joaquim Barbosa não determinará a sua reclusão. "Ele não vai
fazer, ele estaria rasgando a Constituição."
Diz que não
está com medo da prisão. "Eu me organizo. Eu vou voltar a estudar. Vou fazer um
mestrado, alguma coisa. E tenho que imediatamente começar a trabalhar na prisão.
Até para começar a abater da pena."
"Se eu for para
[a penitenciária de] Tremembé 2 [no Vale do Paraíba], dá para trabalhar." O
presídio ofereceria as condições necessárias.
"Eu não sou uma
pessoa de me abater. Eu não costumo ter depressão. Mas a gente nunca sabe o que
vai acontecer. Uma coisa é falar daqui de fora, né? A outra é quando eu estiver
lá dentro. Eu posso ter algum tipo de abatimento, sim, de desânimo. Tudo vai
depender das condições da prisão. Às vezes elas são muito ruins, isso pode te
abater muito."
LEITURA
Dirceu ainda
não sabe se, na cela, terá acesso a livros, jornais, iPad. "A lei permite, para
o preso trabalhar e estudar. Tem gente aí até querendo mudar essa lei. Foi
aprovada proibição no Senado, o PT bloqueou na Câmara."
Se puder
acessar publicações, acredita que o tempo passará mais rápido. "São 33 meses.
Não é fácil."
Analisa que
poderá ser colocado numa cela com outro preso. "Isso pode ser bom, mas pode ser
ruim também. Vai depender da pessoa."
ESCOLA DO
CRIME
Diz que não tem
medo de sofrer eventual violência no presídio. "Mas em termos. É um ambiente de
certo risco."
Acha que o
sistema carcerário nunca vai melhorar. "Isso não é prioridade de nenhum governo,
nem dos governos do PT", afirma.
"Nenhum governo
nosso se preocupou com essa questão, nenhum Estado se preocupou em ter um
sistema modelo. É caro, não tem dinheiro. O governo federal é que deveria dar os
recursos. Nós [no governo Lula] fizemos, construímos os presídios federais para
isolar os presos de maior periculosidade. Tinha que fazer, senão virava uma
escola do crime."
Os advogados
consultam o telefone, os assessores leem jornais e a internet em busca de alguma
pista sobre a decisão que Joaquim Barbosa em breve
tomará.
'OI,
BONITINHA'
"Se ele
[Barbosa] mandar me prender, vai pedir para que nos apresentemos, vocês não
acham?", pergunta Dirceu aos advogados. "Não vão mandar polícia aqui, eu acho
que ele vai dar algumas horas para eu me apresentar em algum
lugar."
Atende o
celular. "Oi, bonitinha. Você vem aqui me visitar?" É Evanise Santos, sua
companheira, que estava em Brasília porque não tinha conseguido lugar no avião
na noite anterior. Ela avisa que já está embarcando para
SP.
"Para mim é uma
tragédia ser preso aos 66 anos. Eu vou sair da cadeia com 70. São mais de três
anos. Porque parte [da pena] é cumprida em regime fechado, mas depois [no
semiaberto] vou ter que dormir todos os dias na cadeia. Sabe o que é
isso?"
"Eu perdi os
melhores anos da minha vida nesses últimos sete anos [em que teve que se
defender das acusações de chefiar a quadrilha do mensalão]. Os anos em que eu
estava mais maduro, em que eu poderia servir ao país",
diz.
LUTA
POLÍTICA
"Eu transformei
isso [mensalão] em uma luta política. Eu poderia ter ganhado muito dinheiro como
consultor. Poderia estar rico, ter ganhado R$ 100 milhões. Mas é por isso que eu
sou o José Dirceu. Tudo o que eu ganhei eu gastei na luta
política."
Ele avisa
à Folha que o presidente do PT, Rui Falcão, chegará às 7h. E que terá que
interromper a conversa.
"Eu sugeri a
eles que fizéssemos uma manifestação em fevereiro, colocando 200 mil pessoas na
rua". "Eles" são o ex-presidente Lula e dirigentes do PT. Acha que nem todos "da
esquerda" fazem a avaliação correta sobre "a disputa política em curso". "É
preciso dar uma demonstração de força."
A disputa, no
seu entendimento, incluiria a desqualificação não só de petistas, mas da
política de forma geral.
CLICHÊ
"Sempre foi
assim. Parece clichê, mas em 1954 [quando Getúlio Vargas se suicidou] foi assim,
em 1964 [no golpe militar] foi assim. Era a guerra contra a subversão e a
corrupção. Depois entrou a Arena [partido que apoiou a ditadura]. Aí sim foi
tudo à base de corrupção."
Ele acha que o
PT falhou ao não estimular, nos últimos anos, uma "comunicação e uma cultura" de
esquerda no país. "Até nos Estados Unidos tem isso, jornais de esquerda, teatro
de esquerda, cinema de esquerda. É uma esquerda diferente, deles, mas que é
totalmente contra a direita. Aqui no Brasil não temos nada
disso."
A classe média
está "vivendo num paraíso, e isso graças ao Lula". Mas, ao mesmo tempo, está
sendo "cooptada" por valores conservadores.
Já disse a Lula
que "o jogo pode virar fácil. Nós [PT] não temos a maioria, a esquerda ganha
eleição no Brasil com 54% dos votos".
"É preciso
trabalhar. A esquerda nunca teve uma vida tranquila no Brasil nem no mundo.
Nunca usufruiu das benesses do poder."
grampos
grampos
"De 1889 a
1946, o poder era militar. Tudo era decidido por tenentes e depois pela cúpula
militar. Depois, o país viveu seu período político, mas sempre sob tutela
militar, até o golpe de 64. Só em 1989 retornamos [civis]. É tudo muito
recente", diz.
"Ninguém hoje
vai bater nos quartéis. A situação é outra: a esquerda ganha [eleição], mas não
tem o poder midiático, o poder econômico. E nós [PT] nunca fizemos política
profissional nas indicações do Judiciário, no Ministério Público, como outros
governos fizeram. Nunca."
Ele segue: "O
Ministério Público e a polícia com esse poder, esses grampos... isso está
virando uma Gestapo. Quando as pessoas acordarem, pode ser tarde
demais."
NATAL
Para Dirceu, a
maioria dos empresários não apoia o que seriam investidas contra Lula e o PT.
Teriam medo de uma crise política, com manifestações e greves combinadas com uma
situação econômica mais delicada.
E o empresário
Marcos Valério, pode atingir Lula com suas acusações? "Esquece. Nem a mim ele
conhece direito. Nunca apertei direito a mão do Marcos
Valério."
Os advogados o
chamam na varanda. Dirceu em seguida diz à Folha que precisa encerrar a
conversa. Ele ainda esperaria sete horas até que, às 13h30, Barbosa divulgasse
que não mandaria prender os réus ontem. Fez as malas e foi passar o Natal na
casa da mãe em Passa Quatro (MG).
23 de dezembro de 2012
Mônica Bergamo, Colunista da Folha
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