"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 23 de dezembro de 2012

NÃO OLHAR PARA TRÁS

 

Não basta o governo investir, tem que investir certo. “Construir pirâmides não vai desenvolver o país”, diz Armínio Fraga. Trem-bala é pirâmide, na visão dele. Aliás, de muita gente. O governo está neste momento com nostalgia do modelo dos anos 1970. “Não sou pessimista com o Brasil a médio prazo, mas agora o governo está olhando demais para um modelo que deu errado.”
No domingo, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o economista Edward Amadeo publicaram um artigo neste jornal se perguntando se não está chegando ao fim a herança bendita. Foi sobre isso que conversei com Fraga no programa da Globonews.

Por herança bendita, ele entende as reformas que o Brasil fez a partir da década de 1990. Abertura da economia, estabilização, modernização do Estado e inclusão dos mais pobres. Acha que esses bons passos foram dados por governos diferentes, e não apenas o de Fernando Henrique, no qual trabalhou.
Destaca avanços importantes no governo Lula, principalmente o combate à pobreza:
— Mas, aos poucos, começou a mudar. Hoje, olhando para trás, dá para saber que a guinada começou no segundo mandato do presidente Lula.

Ele contrapõe o modelo novo, em que houve muitas reformas, com o velho, dos anos 50 a 70, em que houve pouca poupança, pouca ênfase na educação e na produtividade:
— Temos que nos organizar para avançar. No novo modelo, o Estado continua necessário — e nem seria diferente numa sociedade tão desigual quanto a nossa — mas para concentrar-se no que é mais importante. Nos outros setores, tem que atuar apenas como regulador. Hoje, o Estado está entrando cada vez mais na produção e está correndo riscos.

Um dos exemplos é o setor ferroviário. É uma velha demanda brasileira o investimento em ferrovias, mas o governo assumiu todos os riscos da ampliação de investimento e vai garantir a compra de toda a oferta de transporte que for criada:
— É muito melhor ter um setor privado que corre riscos e paga os preços das decisões que toma, e, portanto, tem que pensar bem antes de fazer um investimento, do que ter um Estado que garante tudo.

Ele acha que o BNDES deveria cobrar do setor privado aumento na participação do financiamento ao investimento:
— A história de países que alicerçaram o seu crescimento em bancos públicos não é boa, inclusive a nossa.

O ex-presidente do BC ressalta o ganho da queda dos juros, mas recomenda paciência e disciplina:
— A inflação vem acima da meta há algum tempo e isso não é bom. O governo tem recorrido a artifícios tributários e outros, como o dos combustíveis, para ajudar a inflação. Isso produz uma redução pontual dos preços. Não quer dizer que a inflação está resolvida. A taxa está bem alta no Brasil.

Armínio não está pessimista com o país e vê avanços importantes na educação, por exemplo, principalmente porque as famílias começaram a dar mais valor:

— As pesquisas mostram isso e se as famílias estiverem cobrando dos políticos, escolas, diretores, professores, a situação melhora. Essa área promete. Tem muita coisa boa acontecendo.
Outro avanço ocorre no mercado de capitais que, por esforços das empresas e governo, tem ficado mais confiável e atraído mais investidores:

— Não sou pessimista, mas o país está confuso em sua estratégia e há no governo um certo namoro com um modelo antigo que deu errado.
Armínio acha que o cenário externo será melhor em 2013 e o ciclo vai favorecer. O que está faltando, segundo ele, é o Brasil agir na direção certa.

23 de dezembro de 2012
Miriam Leitão, O Globo

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