O mundo está menos plano. Neste instante em que a economia global tenta recuperar-se das crises financeiras de 2008 e 2011, uma forte tendência mostra sua face. Podemos chamá-la de “Local-Contentismo”. Cada vez mais países vêm adotando práticas de política industrial amparadas na noção de “Conteúdo Local”.
Na América Latina, o socialismo bolivariano ou o ultraliberalismo apresentaram nos últimos 20 anos ao menos uma característica semelhante. Não conceberam qualquer forma de política industrial.
A tradução econômica do socialismo bolivariano tem sido a mera “estado-nacionalização” de ativos industriais. Combina um xenofobismo “além-América Latina” com o equivocado pressuposto de que a riqueza está nas instalações físicas, e não no know-how de pessoas e processos.
Ainda na América Latina, interpretou-se o Consenso de Washington como se o fluxo desimpedido de capitais levasse sempre a alocações “ótimas” também no setor manufatureiro. Formular políticas industriais seria algo “fora de moda”. Aqueles países que adotaram mais organicamente essas diretrizes nos anos 90 experimentaram crises cambiais desestabilizantes e encolhimento de parques industriais.
No Brasil, o apagão de política industrial que se instalara desde os anos 80 foi interrompido apenas a partir de 2003. Seu principal componente: o Local-Contentismo. São marcantes as exigências de conteúdo local para a retomada de setores como indústria naval, software, semicondutores, eletroeletrônicos e outros. Já em âmbito mundial, a figura do mercado como instância “inteligente” para decisões industriais encontra-se em xeque. O Estado-Nação e os governos retomaram o status perdido em momentos de maior globalização.
Os EUA, o Japão e a Europa estão reformulando suas políticas de “Local-Contentismo”. Nessa dinâmica, noções como a de “empresa-rede” -que espraia sua produção pelo mundo numa intricada combinação de logística, custos relativos e talentos- estão perdendo espaço para operações que se concentram num único mercado em que gozam dos benefícios de compras governamentais e outros incentivos “local-contentistas”.
Mesmo a China, que nutriu seu crescimento à base da estratégia de “nação-comerciante”, hoje seduz o mundo industrial com grandes contratos (em que o governo chinês, empresas e consumidores chineses são os compradores) desde que a atividade seja desenvolvida localmente, assim contratando mão de obra e gerando impostos na China.
Há claras diferenças entre “Local-Contentismo” e protecionismo tradicional. Ao passo que o segundo é marcado por escudos tarifários e quotas, o primeiro idolatra investimentos estrangeiros diretos e faz amplo uso do instrumento de compras governamentais.
O “Local-Contentismo” é também uma das formas com que os países buscam combater a hipercompetitividade chinesa. Eventuais perdas nos custos comparativos com congêneres chineses são compensadas pelos benefícios fiscais e de geração de empregos tornados possíveis por políticas “local-contentistas”.
Para a economia global em seu conjunto, o “Local-Contentismo” representa perda de eficiência. Só se sustenta ao longo do tempo com margens de lucro artificialmente alimentadas em nome do investimento no aumento da competitividade. Assim, impactará negativamente a expansão do comércio internacional e as rodadas da OMC.
Para o Brasil, o “Local-Contentismo” só terá valido a pena a longo prazo se tiver gerado velozes ganhos de produtividade de modo que a indústria local harmonize sua capacidade internacional de competir.
07 de janeiro de 2013
Marcos Troyjo
Economista e cientista social, professor da faculdade Ibmec e diretor do BRICLab na Universidade Columbia, NY, EUA.
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