"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

GOLAÇO DA CORRUPÇÃO

 

Aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados, a proposta de emenda constitucional que restringe os poderes de investigação do Ministério Público é um golaço para o time da corrupção. 
Ainda não foi aprovada em plenário, mas deve ser encarada como um grave entrave ao combate à corrupção. O Ministério Público corre o risco de ser impedido de investigar. E isso, certamente, não será bom para o Brasil.
 
É preciso refletir sobre os riscos de uma proposta que visa cercear, tolher e manietar a instituição que, de forma mais eficaz e notória, combate a crônica impunidade reinante no País. De fato, o Ministério Público, em colaboração com a Polícia Federal, tem conseguido esclarecer diversos casos de corrupção. Tratam-se de instituições que prestam inestimável serviço à sociedade.
 
Será que o Ministério Público, que é quem forma as convicções sobre a autoria do crime, não pode fazer diligências para ele mesmo se convencer?
 
Está em andamento um movimento para algemar a instituição. Se o Congresso excluir o MP do processo investigatório, o reflexo imediato será o questionamento sobre a legalidade e até a completa anulação de importantes apurações.
 
Vejo com bons olhos o protagonismo do Ministério Público no combate aos predadores da sociedade. Se membros do MP cometem abusos, é preciso aperfeiçoar os mecanismos de controle, em vez de restringir sua atuação.
 
Se não houver uma mobilização da opinião pública contra a chamada PEC da Impunidade, a sociedade pode descobrir tarde demais que os corruptos estão ganhando um passaporte definitivo para a impunidade.
 
Alguns políticos vislumbram abusos em certas ações do Ministério Público e querem esvaziar as atribuições investigatórias da instituição. Trata-se de uma proposta contraria aos interesses da sociedade.
 
Se existe uma instituição que tem contribuído para a construção de um novo país, democrático e republicano, tem sido o Ministério Público, responsável pela vigilância no gasto do dinheiro público, na defesa do meio ambiente e na ação contra criminosos, inclusive aqueles com maior poder econômico ou político.
 
O papel do Ministério Público, guardadas as devidas proporções, se aproxima, e muito, da dimensão social da imprensa. A atividade exige, por óbvio, independência e sensibilidade ética.
 
Preocupam-se alguns com os riscos de prejulgamento que podem advir de uma declaração precipitada e pública da autoridade (leia-se do Ministério Público) estampada em manchete de jornal. Procuram, por isso, criar um sistema que proteja a intimidade e garanta a presunção de inocência de pessoas submetidas a um processo investigativo.
 
Esse cuidado legítimo, contudo, pode transformar em regra o que deveria ser rigorosamente uma exceção.
O segredo de justiça pode ser uma salvaguarda da honra. A experiência, no entanto, demonstra que essa cautela jurídica tem, frequentemente, sido uma aliada da impunidade.
O princípio da presunção de inocência deve ser garantido, mas não à custa da falta de transparência.
 
O princípio constitucional da publicidade, pelo qual qualquer cidadão tem direito a obter das autoridades públicas informações de interesse pessoal e geral, é, na expressão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), “verdadeira pedra angular sobre a qual se edifica o Estado Democrático de Direito, pois a exigência de transparência na prática governamental qualifica-se como prerrogativa inalienável que assiste a todos os cidadãos”.
 
Fatos recorrentes evidenciam a importância da informação jornalística e da ação do Ministério Público como instrumento de realização da justiça. Alguém imagina, por exemplo, que o julgamento do mensalão teria sido possível sem a pressão de um autêntico jornalismo de denúncia?
 
O Ministério Público, muitas vezes, é acionado por fundamentada apuração jornalística. É o ponto de partida. Ninguém discute que o Brasil tem avançado graças ao esforço dos meios de comunicação, mas também graças ao trabalho do Ministério Público.
 
A informação é a base da sociedade democrática. Precisamos, sem dúvida, melhorar os controles éticos da notícia. Consegue-se tudo isso não com censura ou limitações informativas, mas com mais informação e com mais pluralismo.
 
O mesmo se pode dizer do trabalho do Ministério Público. Como escreveu a jornalista Rosane de Oliveira, respeitada colunista de Política do jornal Zero Hora, “em um país em que a polícia carece de recursos para investigar homicídios, tráfico de drogas, roubo de carros e outros crimes, não se compreende a briga pela exclusividade na investigação, típica disputa de beleza entre as corporações.
 
Em vez de as instituições unirem forças, tenta-se com essa emenda constitucional impedir o Ministério Público de investigar.
Mais fácil é entender o sucesso do lobby no Congresso: boa parte da classe política não suporta os promotores com sua mania de investigar denúncias de mau uso do dinheiro público. Entre promotores e procuradores, uma das frases mais repetidas é que uns não gostam do Ministério Público porque não conhecem seu trabalho, e outros, porque conhecem bem demais”.
 
A corrupção é, de longe, uma das piores chagas que maltratam o organismo nacional. Esperemos, todos, que o Congresso Nacional não decida de costas para a cidadania.
 
É preciso que a sociedade civil, os juristas, os legisladores, você, caro leitor, e todos os que têm uma parcela de responsabilidade na formação da opinião pública façam chegar aos parlamentares, com serenidade e firmeza, um clamor contra a impunidade e uma defesa contundente do papel do Ministério Público no combate à corrupção.

07 de janeiro de 2013
Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS

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