"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 7 de abril de 2013

"ABENOMICS E DILMANOMICS"



O Japão experimenta na economia passos que, quando adotados no Brasil, provocam excomunhão

Desde que assumiu em dezembro passado, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, lançou um agressivo pacote de medidas econômicas batizado de "Abenomics", alusão à "Reaganomics", como foi chamada a política do então presidente Ronald Reagan.

Não sei se vai ou não funcionar. Nem creio que alguém realmente saiba: se economistas fossem capazes de adivinhar o futuro, teriam enxergado o desastre que pôs o mundo de joelhos em 2008/09.

Mas sei que a mídia liberal trata a "Abenomics" com uma condescendência que não dá à "Dilmanomics", embora ambas tenham pontos de contato. É óbvio que comparar uma e outra é correr o risco de cair num abismo de imprecisões. São países e economias de dimensões, estruturas e passado (recente ou remoto) muito diferentes.

Mas algumas coisas merecem ser sublinhadas como coincidências, com os devidos cuidados.

Primeiro, a famosa questão da independência do Banco Central. Por aqui, chovem críticas ao rompimento, suposto ou real, da independência do BC, que teria se transformado em mero braço da política econômica pró-crescimento, abandonando o papel de zeloso guardião da moeda.

No Japão, Abe não teve nenhum pudor em anunciar "mudança de regime", ao instalar Haruiko Kuroda como presidente do BoJ (Banco do Japão), em fevereiro, com a missão explícita de levar a inflação a 2%.

Mais: Kuroda acaba de anunciar que vai inundar o mercado com um tsunami de dinheiro como uma das maneiras de atingir a meta de elevar a inflação.

Ah, mas aí você vai dizer que o Japão vive uns 20 anos de ruinosa deflação, o que significa que forçar um pouco mais de inflação para obter crescimento não é pecado, ao contrário do que ocorre no Brasil, em que o risco é -e sempre foi- de mais inflação causar septicemia econômica (e social).

Você tem razão, mas o ponto não é esse. O ponto é que quando um país rico e civilizado põe o seu BC a serviço das metas do governo ninguém rasga as roupas. Nós, os bugres, estamos proibidos de fazê-lo, como se, nos EUA, a missão do Fed não fosse a de zelar pela moeda, sim, mas também pelo emprego. Esse pedaço do modelo norte-americano está interditado até do debate no Brasil.

Segundo ponto: a "Abenomics" prevê um pacote de estímulo à economia de 20,2 trilhões de ienes (cerca de R$ 436 bilhões), metade dos quais virá do governo. Se não é uma maciça intervenção na economia, não sei mais o que é intervenção.

Mas a reação não tem o menor parentesco com a gritaria que se ouve no Brasil sobre intervenções do governo (dessa e de outras naturezas).

No Brasil, Luiz Carlos Mendonça de Barros escreve que "o mau humor geral (....) grassa na economia". Menos mal, para Dilma, que não grassa no eleitorado, bem ao contrário aliás.

Já sobre o Japão, Greg Ip, da "Economist", diz ao Council on Foreign Relations que o Japão está fazendo "um gigantesco experimento em política monetária" e acrescenta, prudentemente: "Vamos ver se realmente funciona".

Por que os japoneses podem experimentar e os brasileiros não?

07 de abril de 2013
 Clovis Rossi, Folha de São Paulo

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