O modelo de democracia que subsiste na Venezuela à custa de sucessivas vitórias eleitorais perdeu o viço com o "empate" do último pleito, expondo, sem mentiras e meias palavras, o caráter autoritário da "revolução bolivariana". Não há mais uma figura carismática como a de Hugo Chávez, nem mesmo na forma de um passarinho, capaz de fazer os venezuelanos acreditarem que o país em que vivem, com toda a sua violência, corrupção e carestia, é o paraíso socialista na Terra.
Restaram apenas os medíocres lugar-tenentes do falecido caudilho, que só se garantem no poder graças ao aparelhamento governista de todas as instituições da república, uma máquina ubíqua montada para intimidar qualquer forma de oposição.
É por isso que, a despeito das justificadas desconfianças oposicionistas sobre a lisura da eleição de Maduro, o herdeiro de Chávez assume o poder sem que se lhe oponha qualquer resistência jurídica. Quando a presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Luisa Morales, acusa o candidato derrotado Henrique Capriles de "enganar" os venezuelanos, por exercer seu direito de pedir a recontagem dos votos, é porque não há mais uma verdadeira democracia - se é que, sob o chavismo, algum dia houve.
No Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a farsa foi completa. Em tempo recorde, proclamou-se Maduro vencedor, mesmo com a reticência do único de seus integrantes que não é chavista, Vicente Díaz, que defendera a recontagem.
É esse mesmo CNE que não apurou nenhuma das denúncias sobre o uso ilegal, à luz do dia, da estrutura do Estado para favorecer o candidato oficialista; que não se incomodou com a exposição permanente desse mesmo candidato em todas as emissoras de TV, fazendo campanha explícita inclusive no período em que isso era expressamente ilegal, num favorecimento flagrante; e que não investigou as centenas de denúncias de intimidação de eleitores, de urnas fraudadas e de propaganda governista ilegal.
Como Dilma deveria saber, democracia não se torna autêntica apenas pelo ato de depositar um voto numa urna. Os chavistas, cada vez que se expõe o autoritarismo de seu governo, enfileiram como argumentos para provar seu caráter democrático as tantas eleições que Chávez venceu, cuja lisura foi atestada por observadores internacionais.
Como toda malandragem retórica, esta ignora o fato de que eleições são apenas um dos instrumentos da democracia, que só funciona se houver instituições sólidas e independentes e estiverem garantidas a liberdade de expressão e a alternância no poder.
Nada disso há na Venezuela, como acaba de provar o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, que mandou destituir os oposicionistas das comissões parlamentares. "Deputado opositor que não reconhecer Nicolás Maduro presidente não será reconhecido pela Assembleia Nacional", anunciou Cabello, mui democraticamente.
Diante dos mortos em confrontos de rua e das incertezas sobre os resultados da eleição, diversos países adiaram o reconhecimento da vitória de Maduro. Para os EUA e a União Europeia, a recontagem pedida por Capriles seria importante para conferir ao eleito a legitimidade que está sob suspeição.
Mas o governo de Dilma, alinhado a bolivarianos de carteirinha como Argentina, Bolívia e Equador, tratou rapidamente de endossar Maduro e, por tabela, criar um clima de confronto com os EUA - que Maduro tratará de explorar ao máximo, para ganhar legitimidade no grito.
Ao manifestar apoio integral a Maduro, o ex-presidente Lula, chefe de Dilma, escancarou essa estratégia: "De vez em quando, os americanos se dedicam a pôr em dúvida a eleição alheia. Deveriam se preocupar consigo mesmos e deixar que nós elejamos o nosso destino". O problema é que, na Venezuela, esse "nós" não inclui a oposição.
19 de abril de 2013
Editorial do Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário