Quem está perdido não escolhe o caminho. Na ânsia de dar respostas aos anseios das ruas, a presidente Dilma se embrenha pelo perigoso caminho de tentar jogar sobre terceiras pessoas a responsabilidade pelas carências dos serviços públicos brasileiros, quando não busca respostas diversionistas para apresentar soluções fáceis para questões complexas.
A realização do plebiscito sobre a reforma política, que o bom senso e a legislação indicam ser impossível dentro dos prazos legais, voltou a ser questão de honra para o governo e deve ser uma das reivindicações em manifestações programadas para quinta-feira por centrais sindicais e movimentos sociais governistas, que pretendem ir para as ruas fazer o que o ex-presidente Lula chamou de “luta de massas”, contra a classe média “conservadora” que reivindica questões básicas da cidadania.
Dilma também afirmou recentemente que não está “acuada” e que vai defender o legado de seu governo nas ruas. A insistir nessa aventura, o governo terá contra si, se conseguir impor sua vontade à maioria do Congresso, o que é difícil, o Supremo Tribunal Federal, pois o Tribunal Superior Eleitoral já advertiu que questões que necessitem de reforma constitucional não podem ser resolvidas por plebiscitos.
Alguns juristas admitem que, se o plebiscito for autorizado por 3/5 da Câmara e do Senado, em duas votações em cada Casa, poderia tratar de temas constitucionais, mas essa é questão polêmica cuja discussão poderia ela mesma inviabilizar o plebiscito.
Além disso, há questões concretas a resolver, aparentemente insolúveis: como se formarão as frentes parlamentares em defesa deste ou daquele ponto da reforma, se um mesmo grupo de políticos unido por um dos pontos pode estar desunido entre si mais adiante, quando estiver em discussão outro ponto?
Há o exemplo do plebiscito de 2007 na Venezuela, quando as alterações na Constituição foram apresentadas pelo então presidente Hugo Chávez e pelo Congresso.
Os 69 artigos alterados foram separados em dois blocos, o “bloco A”, com 46 artigos, e o “bloco B”, com outros 23 artigos, que deveriam ser respondidos por um simples “sim” ou “não” para o conjunto dos blocos. A confusão foi tão grande que o povo rejeitou todos os blocos.
Para completar, há ainda uma grave questão, num momento em que se exige gasto transparente do poder público: o custo básico de R$ 500 milhões previsto pode subir sem controle, pois não haverá tempo para licitações referentes à realização do plebiscito.
Anteriormente, o governo brasileiro já havia entrado em choque com a classe médica quando anunciou a contratação de seis mil médicos cubanos para suprir a falta de profissionais no interior do país, uma estranha escolha, pois os cubanos disponíveis são na maioria paramédicos, agentes de saúde, com cursos em média de três anos, que podem muito bem auxiliar na saúde da família, mas não supririam as necessidades de cidades do interior que, antes de tudo, precisam de boas instalações básicas, não necessariamente no padrão Fifa, para que o trabalho dos médicos fosse possível.
Além do mais havia aquela cláusula de que o pagamento seria feito ao governo cubano, que repassaria uma parte, provavelmente ínfima, aos médicos, nos moldes do que existe na Venezuela.
Os “médicos” obedecem a restritas ordens do governo cubano e não podem se movimentar sem comunicar cada passo a uma organização central que controla o convênio, que tem rendido a Cuba muito dinheiro, comparável à verba do turismo.
Mais parece uma maneira de poder financiar o governo amigo dos Castro do que de resolver questão crucial dos brasileiros.
Agora, vem o governo com essa ideia estapafúrdia de obrigar os estudantes de Medicina, após seis anos de curso e residência médica, a trabalhar no SUS, recebendo uma bolsa, para ter o diploma.
Em vez de preparar plano de carreira no serviço público com estímulos a médicos no interior do país, o governo inventa uma utilização precarizada de médicos iniciantes, comparada pelas associações médicas a “trabalho escravo”.
Não é a solução para os anseios populares de uma “medicina padrão Fifa”, mas é mais uma fonte de desgaste com a classe médi(c)a.
09 de julho de 2013
Merval Pereira, O Globo
NOTA AO PÉ DO TEXTO
Como diz a Lei de Murphy "para questões complexas, há respostas simples e erradas."
m.americo
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