"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 9 de julho de 2013

CAPITALISMO: ÊXITO OU FRACASSO?

 

Mailson Ferreira 2 Capitalismo: êxito ou fracasso?
Maílson da Nóbreg

O capitalismo é a forma natural e mais bem sucedida de organização econômica desde a Antiguidade. Inexiste substituto melhor. Frei Betto, porém, não pensa assim. Ele duvida do êxito do capitalismo. Em entrevista à Rádio CBN (15/6/2013), disse: “Enquanto o Evangelho prega a solidariedade, o capitalismo prega a competitividade” (ele quis dizer competição, concorrência).

“Enquanto nós cristãos pregamos que o ser humano tem de estar acima de tudo, com seus direitos preservados, ele prega que a prioridade reside no capital” (não há prova dessa afirmação). Sua conclusão:

“O capitalismo é bom apenas para um terço da humanidade. Todo mundo fala no fracasso do socialismo. Engraçado, ninguém fala do fracasso do capitalismo para dois terços da humanidade”.

Segundo Max Weber (1864-1920), o capitalismo sempre existiu nos países civilizados. Havia empresas capitalistas “na China, na índia, na Babilônia, no Egito, na Antiguidade Mediterrânea e na Idade Média, tanto como na Idade Moderna”. Imagino que os vendilhões que Cristo expulsou do Templo (Mateus 21:12) praticavam um capitalismo primitivo.

O capitalismo moderno surgiu na Europa entre os séculos XVIII e XIX. Derivou de longa obra institucional, da qual se destacam dois eventos na Inglaterra: a Carta Magna (1215) e a Revolução Gloriosa (1688), que eliminaram o absolutismo.
A supremacia do poder foi transferida para o Parlamento. O rei perdeu a prerrogativa de demitir juízes e de gastar a seu bel-prazer.
O Judiciário independente passou a garantir direitos de propriedade e respeito a contratos. A ordem capitalista começou a emergir da segurança jurídica. Nasceu a liberdade de imprensa. Com a lei de patentes (1624), a propriedade, antes restrita aos bens físicos (finitos), se estendeu às inovações (infinitas).
Graças à criação do Banco da Inglaterra (1694), a taxa de juros caiu, e surgiu um amplo mercado de crédito para empresas. A inovação e o empreendedorismo explodiram, desaguando na Revolução Industrial.

A pobreza se concentra nos países que não construíram as instituições propícias ao florescimento do capitalismo
 
Adam Smith (1723-1790) realçou o papel do mercado na prosperidade. Sua obra “A Riqueza das Nações” (1776) é um portento filosófico que realça as liberdades individuais e destaca a divisão do mercado, a concorrência e a produtividade como motores da expansão econômica e da geração de riqueza.
Depois, a pesquisa e o ensino ampliaram o conhecimento sobre o funcionamento da economia. Os governos aprenderam a construir instituições que lidam com os excessos do capitalismo e asseguram a melhor distribuição da riqueza gerada pelo mercado.

Na época de Smith, 90% dos europeus ocidentais eram pobres. Atualmente, apenas 10%. Foi a maior revolução social da história até então. A partir de 1978, com o primeiro-ministro Deng Xiaoping (1904-1997), a China protagonizaria outra revolução, mais rápida. Quando as reformas de Deng reinstituíram o capitalismo, a renda per capita era um terço da prevalecente na África subsaariana. Em três décadas, a China passaria a país de renda média, retirando da pobreza mais de meio bilhão de pessoas.

O capitalismo é um gigantesco processo de coordenação de expectativas e de cooperação entre indivíduos, empresas e governo. Não depende de um comando central como no socialismo. Ao contrário deste, incentiva a criatividade, a inovação, o avanço tecnológico e, em última instância, a criação de riqueza.

O capitalismo não é perfeito. Crises financeiras e de outra natureza provocam recessões que prejudicam a economia e o bem-estar. Sua vantagem é aprender com elas, renovar-se, e promover mudanças que previnem a repetição de erros e suscitam a recuperação. No socialismo não há tais crises, mas o regime fracassou. A União Soviética morreu. As crises do capitalismo tampouco ocorrem em Cuba e na Coreia do Norte, os sobreviventes, pois não têm sistema financeiro. Lá, o socialismo legou uma economia decadente e igualitária na pobreza.

Hoje, a pobreza se concentra nos países que não construíram as instituições propícias ao florescimento do capitalismo. Eles constituem a maior parte dos dois terços citados por Frei Betto. Se um dia se transformarem, o capitalismo também lhes trará o êxito. O fracasso ficará para trás.

09 de julho de 2013
Mailson Ferreira da Nóbrega
Fonte: revista “Veja”

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