"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 27 de setembro de 2011

ESQUERDA x DIREITA (Parte 2)


A crise da direita

Apesar do surgimento do comunismo na Rússia, o capitalismo nos EUA experimentava uma nova revolução no início do século XX, com a produção em série iniciada pelo fundador da Ford. Mais uma vez, vale ressaltar, que os ganhos de produtividade ficaram restritos apenas aos patrões. As jornadas de trabalho continuavam muito elevadas, as condições de trabalho precárias e agora o trabalho ganhava um caráter robótico com o fordismo, já que cada funcionário agora era contratado para executar apenas uma tarefa repetida o dia inteiro.

Com o início da I Guerra Mundial, em 1914, o progresso norte-americano foi ainda mais intensificado, pois os EUA passaram a exportar quase tudo para a Europa.

Com o fim da guerra, no entanto, o cenário começou a mudar, tanto que já em 1924 ocorreu uma acentuada queda na atividade econômica. Para contrabalancear os efeitos negativos para economia, os bancos norte-americanos, comandados pelo Federal Reserve (FED), criaram repentinamente US$500 milhões em crédito novo, o que elevou a expansão do crédito em mais de US$ 4 bilhões em menos de um ano. O artificialismo desta e outras ações do governo nos anos seguintes não só protelaram a crise iminente, como jogaram ainda mais combustível na bolha que se formava.

E como sempre acontece, a “fatura” da irresponsabilidade governamental finalmente chegou. Aos poucos as indústrias norte-americanas começaram a ter dificuldade de escoar a produção. Havia mais mercadorias que consumidores e, consequentemente, os preços caíram, a produção diminuiu, o desemprego aumentou e, por fim, as ações das empresas valorizadas artificialmente despencaram, o que levou a quebra da bolsa de valores de Nova York, em 1929.

A mais grave crise da história do capitalismo se estendeu até a II Guerra Mundial, atingindo principalmente os países que tinham relações mais estreitas com os EUA, como Canadá, Reino Unido e Alemanha, como, aliás, ocorreu também recentemente na Crise de 2008.

Na Alemanha, a Grande Depressão teve também uma conseqüência ainda mais nefasta, pois criou as condições necessárias para a ascensão de Hitler ao poder.

Nos países periféricos como o Brasil e a Argentina, por exemplo, a Crise de 1929 foi sentida quase como uma “marolinha”. Assim como na Crise de 2008, num primeiro momento, o impacto foi forte, reduzindo nossas exportações pela metade, principalmente de café, produto responsável por 70% das nossas exportações. A médio prazo, no entanto, a Grande Depressão abriu caminho para a adoção de um modelo econômico centrado na substituição de importações e na intervenção estatal, da mesma forma que a crise de 2008 consolidou a posição dos países emergentes como novos protagonistas do novo cenário mundial.

Enquanto isso, os efeitos negativos da Grande Depressão atingiam seu ápice nos EUA em 1933, quando o então presidente norte-americano Franklin Roosevelt aprovou uma série de medidas, que ficaram conhecidas como “New Deal” (Novo Acordo), com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana e diminuir seus efeitos sobre os mais pobres.

Entre as medidas propostas, destacamos:

1.A destruição dos estoques agrícolas excedentes, para normalizar os seus preços;

2.O controle dos preços e da produção, para evitar a superprodução na agricultura e na indústria;

3.Investimento maciço em obras públicas, com o objetivo de gerar novos empregos;

4.A diminuição da jornada de trabalho, com o objetivo de abrir novos postos de trabalho.

5.Fixação de um salário mínimo, criação do seguro-desemprego e do seguro-velhice para os maiores de 65 anos.

Qualquer semelhança com as políticas adotadas por Getúlio Vargas não é mera coincidência. Aqui também ele ordenou a queima de toneladas de café, instituiu os direitos trabalhistas, aumentou a participação do Estado na economia, etc.

Vale ressaltar ainda que os direitos básicos dos trabalhadores, assim como a instituição da jornada de 48 horas semanais já haviam sido ratificados por uma convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que contou a participação de 52 países já em 1919. Tanto Vargas quanto Roosevelt, portanto, apenas acataram uma decisão internacional, tanto que apenas três anos após o New Deal, os franceses reduziram ainda mais quatro horas na jornada semanal.

Portanto, Vargas não inventou nada. Assim como Lula, apenas seguiu uma tendência mundial e capitalizou politicamente o bons ventos da economia. Qualquer que fosse o presidente da época, portanto, as ações teriam sido semelhantes, como, aliás, ocorreu em vários outros países. No entanto, para a grande massa, o ditador populista e simpatizante de Hitler, Getúlio Vargas, entrou para a história como o “pai dos pobres”, principalmente depois do seu suicídio, seu xeque-mate na oposição.

Mas, voltando ao coração do capitalismo, o New Deal (adotado também pela Alemanha), serviu de base para Keynes sistematizar sua obra “A Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, publicado três anos após a divulgação das medidas de Roosevelt, tornando-se uma espécie de bíblia para economistas do mundo inteiro, até meados dos anos 70, quando suas principais teses começaram a ser contestadas. Sobre este assunto falaremos brevemente. Antes, porém, vamos dar uma revisada na trajetória da esquerda na primeira metade do século XX.

A ascensão da esquerda

Voltando um pouco a questão da Revolução Russa, que falamos resumidamente no final do último post, é necessário dizer que tal revolução foi precedida de uma luta interna entre duas correntes de pensamento do Partido Operário Social-Democrata Russo: os mencheviques: que defendiam uma revolução gradativa, esperando o desabrochar das contradições capitalistas para então dar início efetivo à ação revolucionária de uma forma mais pacífica possível; e os bolcheviques, liderados por Lenin, que achavam imprescindível a luta armada para se chegar ao poder e então estabelecer a “ditadura do proletariado”, na qual também estivesse representada a classe camponesa. Tal estrutura seria então conduzida por um único partido, que teria um papel não apenas de conduzir o país, como também para servir de elo de comunicação com as massas e, claro, garantir a unanimidade necessária para sustentar o novo regime. Começava então o estado-policial russo que se expandiu para as demais repúblicas da chamada União das Respúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), criada cinco anos após a Revolução de 1917.

Qualquer semelhança com o governo do PT não é mera coincidência. O populismo, a exaltação do Estado, a manipulação das massas contra o “inimigo capitalista” (ou de “conspirações da direita” ou da “mídia”), as pseudo-democráticas reuniões comunitárias (que servem mais para “legitimar” as ações do governo do que realmente dar voz ao povo) são algumas das características que se tornaram um padrão nos partidos de esquerda que chegam ao poder, democraticamente ou não.

Mas, voltando o início do século XX, com a morte de Lenin, em 1934, uma nova divisão surgiu entre os comunistas liderados por dois companheiros muito próximos de Lenin e candidatos a sua sucessão: Trotski e Stalin.

O primeiro acreditava que o socialismo somente seria possível se fosse construído em escala internacional. Em outras palavras, a revolução socialista deveria ser exportada à Europa e ao mundo. Nesta época, Trotski já percebia que a economia planificada comunista nunca teria o mesmo dinamismo capitalista e, portanto, ao longo do tempo ficaria para trás, como de fato aconteceu.

Já Stalin preferia concentrar os esforços na construção do socialismo na URSS, pois acreditava que a “revolução permanente”, defendida por Trotski, comprometeria a consolidação do socialismo soviético.

Ambos estavam corretos, embora nenhuma das duas correntes tivesse realmente chance de sucesso. Caso a corrente trotskista tivesse vencido, certamente o comunismo teria naufragado já na primeira metade do século XX, pois seria muito difícil (quase impossível) implantar o comunismo em escala global. Portanto, se as idéias de Trotski tivessem prevalecido, certamente a II Guerra Mundial não teria tido Hitler como principal inimigo, e sim o comunismo.

Como venceu Stalin, o comunismo ganhou um pouco mais de fôlego e sobreviveu por quase todo o século XX. Iniciava-se então a fase de maior progresso da URSS e também de maior repressão.

Existem muitas divergências sobre o número de mortos vítimas do stalinismo, mas é certo que o total esteja na casa dos milhões. Stalin não poupou nem mesmo seu ex-companheiro,Trotski, que viria a ser assassinado anos depois, no México, a golpes de picareta na cabeça, por um agente de segurança soviético.

No próximo post, vamos falar do período de maior polarização entre a direita e esquerda, a partir da segunda metade do século XX.

Amilton Aquino

Nenhum comentário:

Postar um comentário