"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

EDITOR DEFENDE FETICHE


Falava ontem sobre Umberto Eco, o erudito neoludita que ainda não entendeu a Internet. Um leitor me alerta:

- Eco ainda não sabe usar os recursos dos tablets na leitura de livros. Ele diz que não é possível fazer anotações em livros lidos nos tablets. Mas é claro que podemos anotar. Aliás, no tablet há mais espaço para anotações do que no livro em papel. E com a vantagem da facilidade de localizar as informações que nos interessam. Não há nada melhor do que os tablets para ler e-books. Na semana passada, comprei o Samsung Galaxy Tab 10.1 e estou satisfeito com o aparelho.

É verdade, não havia lembrado disto. Fica o registro. É que ainda não tenho nenhum tablet. Mais dia menos dia chego lá. Por enquanto, estou sem tempo para ler sequer meus livros em papel. Esqueci também de outro recurso, o search. Se preciso buscar uma palavra em um livro, não preciso relê-lo. Com alguns toques, chego à palavra. Isto não existe no livro em papel e é recurso excelente para quem pesquisa.

Li ontem, no Estadão, entrevista de um outro neoludita, no caso um editor brasileiro, Quartim de Moraes. Apesar de velho, tampouco entendeu o mundo em que vivemos. Falando da indústria do livro, afirma:

- Longe de mim a pretensão de mudar o imutável. Satisfaço-me com a ambição de tocar o bumbo - já usei essa expressão em título recente -, ajudando a despertar consciências adormecidas pelo efeito inebriante e ilusório da "razão de mercado" aplicada ao mundo dos livros. E também com a possibilidade de levar algum ânimo aos que se renderam ao conformismo. Não sou um agente vermelho tramando contra o lucro nem um idealista ingênuo em luta com moinhos de vento. O que me move é a fé na missão civilizadora do livro. Uma convicção que a vida, o ofício de jornalista e o trabalho de editor, paixão tardia, só têm feito se fortalecer.

Missão civilizadora do livro, diz o editor. Nada contra. Mas uma faca serve tanto para cortar pão como também para matar alguém. Da mesma forma o livro. Serve tanto para educar como para emburrecer. O ror dos livros que emburrecem ultrapassa de longe o dos que edificam. Para cada Nietzsche ou Renan publicado no Brasil, há vinte Brunas Surfistinhas ou Chicos Buarques. É a lógica do mercado.

Quartim fala do rebaixamento da qualidade dos conteúdos - particularmente nos livros de interesse geral, ficção e não ficção -, provocado pela preterição dessa qualidade em benefício do potencial de venda de cada título.

- É a tal história: livro bom é livro que vende bem. Então, vale tudo. Depois, mas não menos grave, o crescente estreitamento do espaço para conteúdos ficcionais brasileiros, pelas mesmas razões. Em outras palavras, literatura brasileira não vende bem, portanto, não se publica, como preferem acreditar editores e livreiros para quem livro é um produto como qualquer outro e, como tal, em nada difere de um tubo de dentifrício ou de um saco de batatas.

A questão é antiga. Desde há muito se discute se livro pode ser vendido como se vende sabonete. Poder, pode. Para uma clientela idiota, o livro ideal é o livro idiota.
Os editores sabem disto. A difusão da boa literatura não depende do editor, mas do público leitor. Não adianta tentar vender Dostoievski para quem prefere Paulo Coelho ou Machado de Assis. Mas o equívoco do editor está mais adiante: literatura brasileira não vende bem, portanto, não se publica.


Como não se publica? O mercado nacional do livro está tomado por mediocridades tupiniquins, empurrados goela abaixo nos vestibulares e currículos acadêmicos. Literatura brasileira é de venda forçada. Costumo falar do livro estatal. Como nos antigos países comunistas, no Brasil escritor precisa ser amigo do rei. Ou pelo menos amigo da crítica universitária. Nisto reside a pobreza da literatura nacional.

Quartim cita o “mestre Antonio Candido”:

- "Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amamos, ninguém o fará por nós".
Pois é. Se dependesse do amor do big business editorial, e, em escala menor, vá lá, de nossas mais prestigiosas páginas literárias, a literatura brasileira já seria defunta.

Que seja defunta. No Brasil estão sendo distribuídos livros de graça, tanto em pontos de ônibus como em presídios. É que ninguém compra autor nacional. Não vejo razão alguma para gostar de uma literatura só porque é “nossa”. Só porque o Machadinho é carioca tenho a obrigação de lê-lo? Quartim me desculpe. Prefiro Cervantes, Swift, Orwell. Mas a grande bobagem de Quartim vem logo adiante:

- Como editor e como leitor, mas, sobretudo, como cidadão, preocupa-me a enorme dificuldade que os escritores brasileiros, aqueles que se dedicam à arte literária, encontram para publicar suas obras.

Que dificuldade? Editor, ele ainda acredita no fetiche do livro em papel. Nunca foi tão fácil publicar. Hoje, ninguém pode queixar-se da falta de editor. Basta você digitar seu livro e jogá-lo na Internet. Escritor, hoje, não depende de editoras.
Dependem de editoras os pavões que querem ver seus títulos em vitrine e dar tardes de autógrafos. Nestes dias de e-books, todo autor pode ser editor. A um custo zero de publicação.

O mundo mudou e os editores parecem não ter entendido isto.
Janer Cristaldo
08 de janeiro de 2012

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