"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

NÓS, OS CEGOS...

Descobriu-se há pouco, no meio do tumulto ora estrelado pelo ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, que uma certa Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, repartição pública subordinada a ele, ficou sem presidente durante quase um ano inteiro.

É mais uma oportunidade, entre tantas outras, para fazer uma observação de ordem prática. Qualquer coisa que fica um ano sem presidente, e sem que ninguém perceba, pode ficar desse jeito por mais dois, ou três ou sabe-se lá quantos – e nesse caso provavelmente não precisa de presidente nenhum.
Economizam-se com isso o salário, o carro oficial e as outras despesas que pagamos para manter o emprego do doutor e não muda nada nos vales do São Francisco, do Parnaíba ou quaisquer outros.
Pensando bem, já que o presidente não faz nenhuma falta, essa Codevasf também não faz; por que, então, não fechar a tralha toda? Além da economia, ganha-se em sossego. O que a companhia mais produz atualmente são inquéritos policiais – só neste momento, segundo o noticiário, há cinco investigações em andamento na Polícia Federal para apurar ladroagens variadas em sua administração.

Enfim, pensando ainda mais um pouco, talvez a melhor ideia fosse acabar logo de uma vez com o próprio Ministério da Integração Nacional. Que diabo seria isso – “integração nacional”?
Ninguém é capaz de dar uma resposta coerente. Em compensação, sabe-se perfeitamente que funciona ali uma operosa central dedicada ao tráfico de verbas públicas, sempre em benefício dos que mandam no terreiro.

No momento, justamente, o ministro Fernando Bezerra tenta explicar por que deu a Pernambuco, onde tem sua base e planos políticos, 90% das verbas contra enchentes que o ministério tinha para gastar em 2011, conforme divulgado por O Estado de S. Paulo. Aliás, ficou-se sabendo, no caso da Codevasf, que a estatal vinha mantendo um interino no lugar do presidente – e que esse interino, imaginem que surpresa, é irmão do ministro.

Ainda não é tudo; as histórias de Bezerra, como a cebola, sempre têm uma camada a mais. Seu filho, deputado federal, revelou-se um campeão de “emendas” executadas com dinheiro do ministério ocupado pelo pai. Não se esqueceu da nora – seu pai e um tio foram nomeados para altos cargos na equipe do ministro.
Segundo a Folha de S.Paulo, enfim, Bezerra comprou duas vezes o mesmo terreno, com dinheiro público, quando era prefeito de Petrolina, em Pernambuco. Sua explicação é que fez a segunda compra porque a primeira não foi registrada nos papéis da prefeitura. Como assim? Será que o ministro achou que a melhor maneira de regularizar a situação seria comprar o terreno de novo e pagar mais uma vez por ele?
Não deu para entender nada. O que dá para entender, sem o menor trabalho, é algo bem simples. Se uma figura com esse desempenho pode ser ministro de estado, então o ministério que ele dirige não precisa existir.

Não falem de nada disso perto da presidente Dilma Rousseff: ela fica muito brava, quando alguém sugere que o governo poderia, quem sabe, aproveitar a próxima e anunciada reforma ministerial para fechar uma meia dúzia de ministérios, ou pelo menos um ou dois, entre os 38 que tem.
Recentemente, com a habitual cortesia que utiliza ao comentar opiniões diferentes das suas, disse que só “quem é cego” pode falar em redução de ministérios.
Será que não haveria algum mérito, por pequeno que fosse, na ideia de eliminar um ou outro ministério? Será que tocar no assunto é um absurdo tão grande assim? Afinal, há cinco ou seis ministros que só tiveram uma audiência com a presidente, ao longo de todo o seu primeiro ano de governo. Há um, inclusive, que conseguiu não ser recebido por Dilma uma única vez. O que esse homem está fazendo lá? E qual a utilidade que poderia ter o seu ministério?
Esqueçam. Quem pensa em levantar esse tipo de questão é cego; a presidente não deixa por menos. (Uma de suas ministras poderia observar que a palavra correta, no caso, seria “deficiente visual”; mas, pelo jeito, achou melhor não dizer nada.)

Um governo que se considera a encarnação terrestre do Senhor Deus Pai, dos Doze Apóstolos e de todos os santos não tem dúvida sobre nada; só tem certezas.
Mais um caso encerrado, portanto, principalmente quando se sabe que a maior disputa dentro do Palácio do Planalto, da “base aliada” e dos 38 ministérios é para ver quem concorda mais rápido com a presidente. O que continua em aberto, cada vez mais, é a comédia que eles apresentam todos os dias.

JRGuzzo
VEJA - 14/01/2012

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