Conheci o escritor Luis Fernando Veríssimo em meados de 2008, quando interpretei a peça “As mentiras que os homens contam” no Colégio onde estudava. O título da peça era uma alusão ao livro homônimo do autor, no qual ele aborda uma série de situações corriqueiras em que os homens recorrem à mentira para se sanarem de apuros e momentos embaraçosos. Hoje pela manhã, ao ler a coluna de Veríssimo na Gazeta do Povo, fiquei com a impressão de ter lido apenas mais um capítulo da sua obra que encenei.
Luís Fernando Veríssimo, ao comentar em sua coluna a polêmica dos crucifixos em locais públicos, demonstrou todo o desprezo do laicismo pelo patrimônio cultural brasileiro. Através de um discurso de pseudo neutralidade, o autor acusa a Igreja de ser prepotente e impor valores “atrasados, como nas questões do aborto e dos preservativos”, ao Estado. Segundo Veríssimo, ”a retirada dos crucifixos das paredes também é uma declaração, no caso de liberdade”.
O autor, durante o artigo “Territórios livres”, faz uma analogia entre o caso Galileu e um “Galileu moderno” em um tribunal secular. Para o escritor, o Galileu moderno sentiria-se “desanimado” ao deparar-se com um crucifixo na parede de um Tribunal que deveria, por princípio, ser “neutro”. O objeto cristão, de acordo com as proposições de Veríssimo, é uma “declaração” e remete aos Tribunais do Santo Ofício e ao poder da Igreja. Tê-lo ali é uma “desobediência, mitigada pelo hábito”.
É inimaginável que um Galileu moderno se sinta acuado pela simples visão do símbolo cristão na parede atrás do juiz, mesmo porque a Igreja demorou, mas aceitou a teoria heliocêntrica de Copérnico e ninguém mais é queimado por heresia. Mas a questão não é esta, a questão é o nosso hipotético e escaldado Galileu poder encontrar de preferência no Poder Judiciário, um território livre de qualquer religião, ou lembrança de religião (grifos meus)
Neste parágrafo, Veríssimo confessa que a questão da retirada dos crucifixos não é de ordem objetiva e lógica, mas apenas um capricho de grupos intolerantes à fé. Ora, submeter as diretrizes de um Estado às vontades de um cidadão “desconfortável” perante um símbolo religioso é dar concessões e privilégios a uma minoria em detrimento de todo um patrimônio histórico, religioso e cultural de uma sociedade.
Assim, como o “Galileu moderno” pode se sentir ofendido perante uma cruz, os frades Agostinhos modernos podem se sentir ofendidos perante uma foice e um martelo que recorda a Guerra Civil Espanhola. Se um crucifixo na parede de um local público remete à Inquisição, uma parede vazia de um local público remete aos Gulags da ateia ex-União Soviética. A parede vazia de um Tribunal também é uma declaração, no caso, de ateísmo.
A população brasileira não é ateia. É maciçamente católica. E isso não fere em nada a separação entre Igreja e Estado. A liberdade de consciência deve estar presente em todos os âmbitos, principalmente no público. É um direito humano!
A herança cristã permeia todos os campos de nossa sociedade, desde os hábitos à cultura, seja na forma de música ou arte. Os nomes das cidades, as esculturas de Aleijadinho, os Sermões de Padre Vieira, as catequeses do Beato José de Anchieta. A constituição que inicia com as bençãos de Deus. Tudo isso faz parte da história do Brasil e da consciência humana da sociedade. É inadmissível rejeitar a própria cultura a pretexto de uma pseudo neutralidade. Até porque, o que seria do Corcovado sem o Cristo Redentor?
Veríssimo parece acreditar que a religiosidade é um fator privado que deve ser exercido somente em casa. A única digna de habitar o espaço público é a fé no nada do ateísmo. Por isso as paredes dos Tribunais devem estar adornadas do “nada”, do sem sentido, tal como as decisões deletérias que condenam a fé e a cultura de todo um país ao canto do cisne. Isso, Sr. Veríssimo, também é uma imposição de valores atrasados que remontam o século XVIII da Revolução Francesa e da matança de cristãos. Para um Cristão moderno, a parede vazia de um Tribunal também pode ser chocante.
O Brasil além de ser laico, é um país democrático e livre. O crucifixo, como lembra Bento XVI no livro-entrevista “Luz do mundo”, é um símbolo do amor de Deus. Desde quando o amor ofende? A cruz representa o significado de justiça, o nada não significa nada. O que se espera de um Tribunal é que ali se faça o justo, não “nada”. Em um país em que a maioria é católica, a intolerância ateia não pode sobrepujar a fé dos demais.
Os homens contam muitas mentiras. Nesse caso, Veríssimo, o homem da história é você.
(Obs: Não encontrei o texto de Luis Fernando Veríssimo na Versão online da Gazeta, somente no Portal Vermelho.)
postado por cavaleiro do templo
23 de março de 2012
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Luis Fernando Veríssimo: Territórios livres
Imagine que você é o Galileu e está sendo processado pela Santa Inquisição por defender a ideia herética de que é a Terra que gira em torno do Sol e não o contrário. Ao mesmo tempo você está tendo problemas de família, filhos ilegítimos que infernizam a sua vida e dívidas, que acabam levando você a outro tribunal, ao qual você comparece até com uma certa alegria.
Por Luis Fernando Veríssimo, em O Estado de S.Paulo
No tribunal civil será você contra credores ou filhos ingratos, não você contra a Igreja e seus dogmas pétreos. Você receberá uma multa ou uma reprimenda, ou talvez, com um bom advogado, até consiga derrotar seus acusadores, o que é impensável quando quem acusa é a Igreja. Se tiver que ser preso será por pouco tempo, e a ameaça de ir para a fogueira nem será cogitada.
No tribunal laico, pelo menos por um tempo, você estará livre do poder da Igreja. É com esta sensação de alívio, de estar num espaço neutro onde sua defesa será ouvida e talvez até prevaleça, que você entra no tribunal. E então você vê um enorme crucifixo na parede atrás do juiz. Não adianta, suspiraria você, desanimado, se fosse Galileu. O poder dela está por toda a parte. Por onde você andar, estará no território da Igreja. Por onde seu pensamento andar, estará sob escrutínio da Igreja. Não há espaços neutros.
Um crucifixo na parede não é um objeto de decoração, é uma declaração. Na parede de espaços públicos de um país em que a separação de Igreja e Estado está explícita na Constituição, é uma desobediência, mitigada pelo hábito. Na parede dos espaços jurídicos deste país, onde a neutralidade, mesmo que não exista, deve ao menos ser presumida, é um contrassenso - como seria qualquer outro símbolo religioso pendurado.
É inimaginável que um Galileu moderno se sinta acuado pela simples visão do símbolo cristão na parede atrás do juiz, mesmo porque a Igreja demorou mas aceitou a teoria heliocêntrica de Copérnico e ninguém mais é queimado por heresia. Mas a questão não é esta, a questão é o nosso hipotético e escaldado Galileu poder encontrar, de preferência no poder judiciário, um território livre de qualquer religião, ou lembrança de religião.
Fala-se que a discussão sobre crucifixos em lugares públicos ameaça a liberdade de religião. É o contrário, o que no fundo se discute é como ser religioso sem impor sua religião aos outros, ou como preservar a liberdade de quem não acredita na prepotência religiosa.
Com o crescimento político das igrejas neopentecostais, esta preocupação com a capacidade de discordar de valores atrasados impostos pelos religiosos a toda a sociedade, como nas questões do aborto e dos preservativos, tornou-se primordial. A retirada dos crucifixos das paredes também é uma declaração, no caso de liberdade.
luís fernando veríssimo
in portal vermelho
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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