"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 23 de março de 2012

LEI GERAL DO COPO

A discussão em torno da venda de bebidas alcoólicas nos estádios ganhou uma dimensão muito maior do que o tema merecia. Tão maior que a lei destinada a regulamentar esse procedimento durante o Mundial de Futebol de 2014 deveria mudar de nome.

E passar a se chamar Lei Geral do Copo – em lugar de Lei Geral da Copa. Trocadilhos à parte, deve ser mesmo incompreensível para o pessoal da Fifa o comportamento do Congresso Nacional diante de um assunto tão prosaico.

A votação da lei, prevista para ontem, foi adiada mais uma vez. Por falta de quórum. Pode ser votada hoje, na semana que vem ou Deus sabe quando.

É que a bancada ruralista propõe a troca da regulamentação da Copa pela votação do Código Florestal.

Tirando o eventual interesse dos plantadores de cana-de-acúcar (que são afetados pelo Código Florestal e também produzem cachaça) nos dois assuntos, a relação entre a política de desmatamento e a venda de birita nos estádios é praticamente nula.

Mas é claro que, no clima de escambo que tomou conta do Congresso, tudo tem relação com tudo.

Quando o Brasil ganhou o direito de sediar o Mundial, em 2007, concordou com uma série de exigências, entre as quais estava a venda de cerveja nos estádios. Esse comércio acontece em todas as Copas promovidas desde que a Fifa passou a adotar procedimentos mais profissionais nos campeonatos que promove.

Os patrocinadores pagam milhões pelo direito de vender cerveja nos estádios – e os eventuais excessos cometidos pelos torcedores que exageram na dose são coibidos pela polícia e punidos pela Justiça.

Foi assim na Itália, em 1990, nos Estados Unidos, em 1994, na França, em 1998, na Coreia e no Japão, em 2002, na Alemanha, em 2006, e na África do Sul, em 2010. Por que no Brasil tem que ser diferente?

É lógico que ninguém está aqui para defender que a porteira seja aberta e se dê permissão para que os arruaceiros encham a cara e promovam todo tipo de balbúrdia nas cidades brasileiras. No entanto, em vez de discutir o tema com seriedade, os parlamentares se apegam a picuinhas quando tratam do assunto.

A hipocrisia é a marca desse debate. Desde a proibição da venda de cerveja nos estádios, os arredores das arenas foram tomados por ambulantes com caixas de isopor e uma quantidade enorme de latinhas.

O consumo é praticamente livre. Os torcedores se embebedam e fazem todo tipo de arruaça e, quando chamadas a se pronunciar, as autoridades se escondem atrás da lei que proíbe a venda de bebidas.

Todos os estados e municípios que sediarão a Copa têm leis sobre o assunto – e o governo quer transferir para eles a responsabilidade de decidir se deve ou não fazer o que foi combinado cinco anos atrás.

E depois vem aquele sujeito da Fifa, Jerôme Valcke, sugerir que se dê um chute no traseiro do Brasil e o pessoal do Congresso acha ruim. Na verdade, Valcke apenas escolheu palavras chulas para dizer algo que todo reconhece.

O Brasil precisa, sim, se mexer, levar esse assunto a sério e resolver logo as pequenas pendências. Do contrário, pode até mesmo ficar sem o Mundial, que tem mobilizado tantas obras e tantos interesses.

23 de março de 2012
Ricardo Galuppo
Fonte: Brasil Econômico

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